Na ultima semana, mais precisamente o dia 7 de abril (quinta-feira), a ativista, cantora, compositora, atriz, empresária e feminista pernambucana Doralyce lançou, em todas as plataformas digitais, Dádiva, seu terceiro álbum autoral gravado em estúdio. São 13 faixas, entre inéditas e remixes, com ritmos latinos e brasileiros, que caminham do pagode ao trap e do samba ao funk, revelando a versatilidade da artista.
O disco é um dos braços do projeto DASSALU: da descolonização ao afrofuturismo, contemplado pelo Rumos Itaú Cultural 2019-2020, que contará com mais um álbum e um manifesto, partindo do conceito do Movimento de Emancipação e Liberdade (M.E.L). Dádiva lança olhar sobre a importância do “eu”, da primeira pessoa, do autocuidado e do amor-próprio, como modo de manter a autoestima e a sanidade mental.
Duas artistas mulheres, de gerações diferentes da cena RAP brasileira, fazem participações especiais: Preta Rara, de São Paulo, em Aeropurpurinada – música sobre autoestima e autoimagem –, e Bione, pernambucana, em Deixa eu relaxar, sobre empoderamento e a importância do tempo como cura. Ambas as canções assumem um tom de festa, celebração e “gastação” no álbum.
Em Boyzinho, as artistas paraenses Luê e Amanda Pacífico, junto a potiguar Luisa Nascimento e Doralyce, cantam sobre paquera, relacionamento, prazer e autonomia das mulheres. O remix Para de apontar o dedo conta com a participação do rapper Edgar, o novíssimo (SP).
A realização do disco é da Colmeia 22, com produção musical de Doralyce e dos produtores Chris beats ZN, VilãoduBeat, Felipe Pomar, Lacerda, Marcelo Delamare e Erica Silva. Os responsáveis pelos remixes são Chico Correa e Luana Flores.
Dádiva
Dádiva aborda a potência da musicalidade das mulheres pretas, nordestinas e fora do padrão, valorizando a intelectualidade do legado ancestral preto. “É para mexer o corpo e a mente juntos”, afirma Doralyce. As composições são de compromisso intelectual, com narrativas de cunho social, político e afetivo, e estimulam a criatividade.
A canção que dá nome ao disco carrega o significado da palavra, de origem grega, Dora, que quer dizer dádiva, o presente, o agora – conceitos perceptíveis em toda a produção. Nesta música, a artista constrói um imaginário simbólico disruptivo: tira a mulher preta da base da pirâmide social e a coloca como Diva, mostrando o empoderamento feminista afrocentrado.
Doralyce, que já tem um trabalho ideológico e político, faz análise de conjuntura na inédita Terreno Fértil, com suingue latino abolicionista, que anuncia a “revolta dos oprimidos” e traz referências de tambores e sopros.

Na também nova Batida Salve Todes, um afropop com influência da música pernambucana, que traz uma análise de conjuntura para reflexão decolonial, a cantora cita uma grande referência para a sua obra: Milton Santos, um dos mais renomados intelectuais do Brasil no século 20 e um dos grandes nomes da renovação da geografia na década de 1970.
Percebendo a música como instrumento de comunicação para além do entretenimento, Doralyce a utiliza como um meio educativo. “As canções mostram a diversidade de interpretações e composições que caminham por afeto, amenidades, ancestralidade, perspectiva crítica e quebradeira, porque revolução se faz dançando e cantando”, acredita. “É arte como instrumento de informação e afeto como tecnologia de emancipação e liberdade.”
O projeto
DASSALU é uma filosofia, um ensaio manifesto com tecnologias de sobrevivência e emancipação para pessoas pretas, latinas e LGBTQIA+, com enfoque nas mulheres. Aborda estratégias e ferramentas para modificar a realidade desigual do mundo, incentiva práticas para a manutenção da vida de pessoas comumente marginalizadas e que, em sua maioria, têm suas vozes silenciadas.
O projeto DASSALU: da descolonização ao afrofuturismo é pautado no movimento Primavera Solar, insurgente na América Latina, no qual é crescente o protagonismo das mulheres como agentes diretas da alternância de poder. Composto por dois álbuns e um manifesto, tem como norte o olhar decolonial feminista e explicita a importância da luta dos homens para acabar com o machismo e a responsabilidade das pessoas brancas em lutar para erradicar o racismo.
As músicas que integrarão os álbuns a serem lançados são um convite para o público mexer o corpo e a mente juntos. Nas letras, estão temas que vão desde a apatia social que circunda a sociedade, até a riqueza ancestral, o poder dos orixás e a urgência da valorização feminina.
A artista
Doralyce é a Miss Beleza Universal, título do hit que lançou e que entrou na história do carnaval e da música brasileira. Dona de uma voz poderosa, a pernambucana pavimenta sua carreira com canções chicletes e sociais, refrãos fortes e reflexões importantes a favor das minorias. Doralyce também acerta quando fala de amor. Prova disso é Acenda a luz, single que lançou com Bia Ferreira e é uma das suas canções mais tocadas.
Ao lado de Bia, viajou o Brasil e o mundo com o projeto Preta Leveza. Também fez outras parcerias de sucesso com Luísa e os Alquimistas, Romero Ferro, Serjao Loroza, Mundo Livre SA, entre outros nomes. As músicas de Dora são para mexer a raba e a consciência. Suas influências vêm das ruas de Olinda. Acima de tudo, a artista acredita no poder da arte para revolucionar a sociedade e dar voz para os que foram historicamente silenciados.
Com ela, Mulheres, cantada por Martinho da Vila, ganhou versão feminista e seus trabalhos lançados deram a ela grande representatividade. A cantora inclusive foi tese de doutorado, apresentada como expoente do afrofuturismo na Universidade de Northwestern, em Chicago (EUA).
Além de artista e ativista, Doralyce também é empresária. Criou o selo Colmeia 22, por onde lançou projetos de Bia Ferreira, Bixarte, Liana Flores, Pacha Ana, Tyaro, Bruna BG, Grupo Bongar, Rúbia Divino, Luana Flores,Vinicius Lezo, Abulidu, Júlia Tizumba, além dela própria. Todos os artistas pertencentes a grupos silenciados que ganharam voz com ajuda da música e da luta de Doralyce.