Enfim, espero que tenhamos chegado ao final do ano numérico 2020, talvez o mais longo ano das últimas gerações. Estamos vivendo uma pandemia global da Covid-19 desde março, que já fez quase 1.900.000 vítimas pelo mundo, sendo que só no Brasil foram quase 200.000 vítimas até o dia de hoje. Como é sabido, a última vez que tivemos uma pandemia de grandes proporções como esta foi a denominada “gripe espanhola”, que teve início em 1918. Além das vidas ceifadas, experienciamos uma grave crise política, econômica e moral.
Para falar das minhas impressões de 2020 e das expectativas para 2021, vou partir de minha experiência pessoal que considerei um marco nesse interminável ano. No dia 01 de março eu chegava à Florianópolis para cursar o primeiro trimestre de disciplinas do curso de doutorado em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina. Era o início da concretização de um sonho, gestado por toda uma trajetória acadêmica desde 2005, quando ingressei na primeira graduação. Sonho compartilhado com minha família que sempre foi o suporte para que eu pudesse correr para realizar meu sonho. Estava um Sol escaldante e a beleza reluzente da cidade me encantou, mas fiquei muito ocupada durante a primeira semana me organizando na universidade, não havendo tempo para conhecer as famosas praias. Enfim, no primeiro final de semana visitei duas lindas praias.
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Na segunda semana, a notícia de que a OMS declarou uma epidemia global tomou todos de surpresa. Sim, surpresa, porque ninguém espera que isso aconteça. O Estado de Santa Catarina foi talvez o primeiro a fechar suas fronteiras, sendo possível transitar unicamente de veículos de passeio. Instaurou-se o sentimento de medo generalizado do desconhecido, um vírus letal que causa a Covid-19, para a qual não havia tratamento eficaz e cura. Lembro-me bem, que as primeiras orientações eram para que higienizássemos bem as mãos e todas as superfícies na tentativa de evitar o contágio. Ainda não se sabia que o uso de máscaras seria a medida preventiva mais eficaz.
Fui tomada pelo medo do desconhecido, da morte precoce e longe da minha família e amigos. Meus planos pensados com meses de antecedência de nada valiam. A universidade fechada e somente os serviços essenciais funcionavam. As ruas de Florianópolis pareciam as cidades cinematográficas depois de um apocalipse zumbi, com uma exceção. Na hora do rush era possível ver quem não podia cumprir o isolamento social imposto aos moradores da cidade, os trabalhadores dos chamados serviços essenciais. Incrivelmente, nas proximidades da universidade, que é via de acesso ao centro, vi muitas pessoas negras circulando no horário do rush, o que contribuiu para me ajudar a quebrar com a falsa ideia que de “não existem negros no Sul”. Resolvidas as questões de moradia, me isolei em casa sozinha, longe de casa e daqueles que amo.
Foi mais de um mês em completo isolamento até o dia do vôo de volta para casa, reservado com mais de 20 dias de antecedência, pois não havia vôos regulares. Nesses longos dias tive tempo para refletir sobre a vida, a minha vida, a importância das pessoas que nos amam e apoiam, descobri o mundo das Lives nas redes sociais. Penso que a maioria de nós também descobriu. Confesso que muitos colegas produtores de conteúdo na internet foram companhia importante naquele momento, e os mais próximos ajudaram a superar os efeitos do isolamento com suas conversas, poesias, literatura e música, confirmando a tese do meu filósoso ocidental preferido, Friedrich Nietzsche, “a arte torna a vida suportável”. Embora, acredite que o “estar sozinha” é importante em momentos de nossas vidas, pois acabamos “encontrando a nós mesmos”, é diferente estar sozinha e com medo.
Enfim, chegou o dia de voltar para casa, 14 de abril de 2020. Foi uma jornada, a qual sempre quis registrar. Me senti em um daqueles filmes de fim dos tempos, em que as pessoas de modo desesperado tentam refúgio em algum lugar, mas não há lugar seguro. As sensações que tive durante essa viagem foram as primeiras e únicas em toda minha vida, de medo generalizado. Por confiar na ciência, tomei todas as precauções, já se divulgava que o uso de máscaras era medida eficiente, para além disso, o uso contínuo de álcool gel e vestimentas adequadas. Mesmo assim, as filas nos quatro aeroportos pelos quais passei pareciam algo muito assustador diante da proximidade entre as pessoas.
Minha jornada de volta para casa teve início no aeroporto de Florianópolis, passando pelos aeroportos de Campinas, Belo Horizonte e por fim, no dia seguinte, após 26 horas de viagem cheguei à Uberlândia. Foi, sem dúvida, a retorno para casa mais esperado de toda minha vida, além das reflexões que pude fazer nesse período. O fato é que a única certeza que nós seres humanos temos é que todos somos “seres para a morte”, ou seja, vamos morrer. Mas, ao mesmo tempo, nós ocidentais não aprendemos como lidar com ela, e que faz parte do ciclo da vida.
O período de isolamento comigo mesma ainda perdurou por mais 15 dias de quarentena. O sentimento de gratidão por ter conseguido voltar para juntos dos meus talvez tenha sido a mais importante transformação desse período, resultado também da maturidade. Ainda me lembro que na juventude um dos maiores prazeres era sair de casa, circular pela cidade entre estranhos como uma fuga da realidade cotidiana. Hoje, sei que é o presente o que temos de melhor. Façamos o melhor que pudermos por nós e pelos nossos.
Fiz esse relato pessoal, porque acredito que minha experiência nesses nove meses de pandemia pode ter sido a experiência de muitas pessoas mundo afora. Mesmo com o forte negacionismo da ciência e o exacerbado individualismo e egoísmo que têm levado a pandemia a atingir grandes proporções ceifando vidas, o que me conforta é saber que muitas pessoas também fizeram bom uso do momento triste, para refletir sobre si mesmas e retomar as rédeas do seu próprio destino, realimentando a fé e a gratidão. Por isso, acredito que não somente pelas tragédias o ano de 2020 é interminável, mas pelas marcas que deixará em nossas vidas. Foi um período de rupturas e descontinuidades, que possamos fazer prevalecer o que ficou de melhor.
Desejo um 2021 de muita saúde, amor, paz, luz, alegrias, fé, responsabilidade social e realizações para todos nós!!!!!
Reflexão por demais interessante nesses tempos estranhos
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