
A Noia
Já fazia algum tempo que estava querendo debater sobre fome e não conseguia matraquear sobre esse assunto indigesto, porém super necessário e humanitário que é combater a fome; pois de fato discursar sobre essa praga que assola a humanidade, desde antes mesmo do nascimento de Jesus Cristo. E que infelizmente não parece existir cura para essa doença, que o “Livro dos livros”, a trata como um dos três cavaleiros do apocalipse, que segundo escrito na Bíblia: esses cavaleiros do apocalipse, têm como objetivo principal, trazer o fim da humanidade na Terra. E para ser mais preciso, podemos dizer que essa maldição, que mata por desnutrição e que apavora a vida dos seres humanos, já se alastra pelo mundo a contar dos primeiros registros da humanidade. Ou seja, podemos dizer que temos conhecimento da fome matando seres humanos no mundo, a datar lá da época que os seres humanos ainda moravam nas cavernas, de maneira bem primitiva. Inclusive foi à fome, uma das causas responsáveis, pela sobrevivência e evolução humana, na era paleolítica, exatamente quando os seres humanos deixaram a caverna e começam a praticar a agricultura; evento que ocorreu logo após o ser humano começar a controlar o fogo. Momento qual na história, os seres humanos, tornam-se sedentários e param de viver em constante migração, por causa de problemas da natureza, e principalmente: por causa da fome, e foi quando, nós seres humanos, passamos a praticar tanto a agricultura para a sobrevivência, como a arte, através do artesanato, como forma de aculturamento e aprendizado, além de sobrevivência. E esse período é tão importante para a história humana, que os historiadores chamam esse acontecimento: de Revolução Neolítica, pela importância que esse período teve para a humanidade. Então falar da fome, vai além de questões fisiológica, falar da razão da fome ser uma maquina de guerra hoje, vai pra além dela ser algo intrínseco, na condição que o corpo humano precisa de se nutrir para a própria sobrevivência.

E falar da fome não é uma tarefa fácil e nunca que seria se tratando que lutar contra a fome, é uma guerra política e financeira em uma sociedade capitalista; pois falar da fome em uma sociedade capitalista, é lutar principalmente contra o lucro do capital que sustenta a pirâmide da sociedade capitalista. E combater a fome, é mais que um compromisso com a verdade, pois debater sobre essa doença humana, que hoje mata centenas de pessoas, que vivem abaixo da linha da miséria, todos os anos no planeta por inanição e desnutrição. Não é simplesmente uma guerra rasa, entre capitalismo e socialismo. Mas falar e combater a fome, principalmente pelo fato da fome ser uma maquina racista de matar, um mecanismo eugenista, que promove um genocídio contra a população mais pobre. É uma luta, que se tornou, uma luta direta contra o racismo. Então lutar contra a fome, é mais que obrigação, daqueles que lutam por justiça e equidade social. Ou seja, combater a miséria no mundo, é um dever de todos que defendem e lutam por direito humanitário. Pois aqueles que promovem a fome por ganância, ou por cede de poder e luxuria, tanto como por racismo e desprezo pela vida alheia. Não se preocupam, se estão promovendo injustiça ou não, uma vez que para esses; justiça significa somente o próprio bem estar, de si e dos seus, e não, o bem estar social como o todo. E a fome em nosso país, infelizmente, pode ser considerada como um projeto genocida e não somente como um efeito borboleta, ou domino, causado pela desigualdade social. Pois essa peste, faz parte de um projeto genocida, de quem detêm o poder da segurança alimentar e insegurança alimentar nas mãos. Um projeto genocida, que passa pelo clivo, de matar a maioria da população mais pobre de fome, e desnutrição, além de ter o controle sobre a vida dessas pessoas na palma da mão. E que infelizmente, essa população mais pobre, é exatamente o povo preto, que sofrem com a miséria, através do capitalismo, controlado pela branquitude através do racismo científico. E nessa desintoxicação dessa chaga humana, fica pontuado, que infelizmente a fome, acaba servindo como um plano maligno eugenista; daqueles que desperdiçam comida sem se importar que falte o que comer no prato de alguém, pois o objetivo final, inclusive é até esse mesmo: de matar aqueles que vivem na miséria de fome. E desintoxicar da noia da fome, que é um dos temperos amargo da desigualdade social e que alimenta o poder do opressor, diante do oprimido, não é um processo pacífico, pelo contrário, todo esse processo é violento e doloroso para aqueles que sofrem com a fome. E todo esse processo é o próprio purgatório aqui na terra, para aqueles que têm que vencer a fome todos os dias para sobreviverem. Dado que a fome é um estado de violência bruta, contra a vida e que mata mais que muitas doenças pelo mundo. E é super necessário, tratar a fome sempre com assunto de caráter de extrema urgência e importância, principalmente: pelo fato de que quem tem fome, tem pressa. Pois nesse mundo, é possível romantizar até a morte, mas é impossível: romantizar o sofrimento que a fome promove, na vida daqueles, que estão condenados a sofrerem na mão dela, por serem obrigados a viverem abaixo da linha da miséria. Forçados a viverem nessas condições, por causa da desigualdade social, que o capitalismo selvagem promove na sociedade na busca de sempre aumentar os lucros do próprio capital mais e cada vez, mais. Para sustentar os privilégios de uma minoria que controla o capital e a segurança alimentar nas mãos.

Mas o que me impediu de falar da fome sobre a mesa do debate até aqui? Então, foram várias coisas, entre elas o fato que quando estava na graduação do curso de Filosofia, diziam-me que: não cabia espaço para discutir sobre a fome ali, “pois a fome, seria assunto para as Ciências Sociais tratar e não para a Filosofia compreender, ou muito menos questionar, pois ela na pratica, não poderia fazer nada”; eram isso que me falavam como resposta, quando questionava o fato da academia de Filosofia, qual me graduava, não ser aberta ao debate da insegurança alimentar. Porém o meu trava língua, não era esse, mas sim o próprio trauma psicológico que a fome me traz, e me deixou, ao longo da vida, assim como as cicatrizes profundas, que marcaram a minha alma na luta contra a fome. E por muitas das vezes, por outro lado, a própria falta de recursos, foram fatores, que me impediram de encarar essa filha da miséria humana de frente, para debater sobre as razões da fome, ser essa maquina de matar e de escravizar vidas. E esses fatores, junto com o gosto amargo da fome, não me permitiram falar dessa noia, por causa dessa psicose, que ela nos deixa, através da paranoia, psicossocial que ela nos cria; qual a única coisa que desejamos é a superação e esquecimento desse câncer maligno que persegue a humanidade. E não é tarefa fácil esquecer essa paranoia psicossocial, que é herdada através de uma patologia social, que é provocada por essa cede de lucro que mata tanta gente pelo planeta a fora de fome. E esse sofrimento que a noia da fome me provocou e me provoca, sempre será um dos meus maiores pesadelo, assim como sempre me fará sentir o gosto da morte enraizado em minha boca. E era isso que me impedia de colocar o fruto da ganância humana, sobre a mesa do debate, em meus trabalhos filosóficos. E assim tratar o tema com a seriedade que ele necessita e deve ser tratado. Pois sempre que me lembro desse trauma, sinto o gosto ácido desse câncer social, que me deixa com as minhas mãos fracas e as veias quase sem pulso, me provocando uma angustia miserável dentro do meu peito, que por várias vezes, já me fez desejar o fim da minha própria vida, como uma possível fuga desse carma social maldito, que sustenta a fartura na mesa dos ricos e a miséria na mesa dos pobres. Uma vez que passar fome é uma herança maldita, dado que ser herda a miséria, tal como é herdada a riqueza, e com elas seus privilégios, que mantém a força do opressor, sobre o oprimido. E a fome na vida do pobre, vira uma espécie de patrimônio herdado, e que por sua vez: é um dos principais temperos da fome e da desigualdade social. E aqui chamo para uma reflexão, para atentar-se a essa força do opressor, e que força é essa? Essa é a força qual o pacto narcisista da branquitude, tanto protege; que sem esse pacto, seria impossível a branquitude, ter privilégios, sobre a custa e sofrimento do povo preto, sobre a miséria dos necessitados, que passam a vida toda traumatizado por causa da insegurança alimentar que sofrem, provocada não só pelo capitalismo selvagem, este talvez seja a guilhotina dessa estrutura. Mas provocado principalmente pelo pacto narcisista da branquitude. Que através desse privilégio sustentado por esse pacto, que mantém um racismo estrutural em nossa sociedade, faz com que a fome seja usada para controlar corpos pretos.

Pois é sobre a dor e o medo da fome, que aqueles que detêm a segurança alimentar na palma da mão, tem o controle sobre a liberdade e vida de quem vive na linha da pobreza. Promovendo um trauma, uma noia que é pior que a angustia da ansiedade, que provoca uma incerteza que parece uma bala cravada na cabeça do faminto, o deixando pirado, em um surto provocado pelo o medo de não ter comida no prato. E esse é o fardo, quais aqueles que passam fome, tem que carregar sobre o ombro, igual à cruz qual Jesus carregou e perdeu a própria vida, sendo crucificado nela; sendo que essa incumbência, que os pobres carregam nas costas, são os pilares que sustentam o lucro no capitalismo, a custa da vida e sofrimento de quem passa fome. E a minha herança sociocultural, como de muitos negros. No caso, foi essa: de sofrer e lutar contra a fome, assim como sofrer e lutar contra o racismo por ser negro, de sofrer e lutar para sobreviver, um dia a após outro dia em minha vida, por ser preto, pobre e favelado. Sendo que os condenados pela desigualdade social, como os que nascem na sarjeta, são obrigados a viverem na miséria. Ao ponto inclusive de muitos, morrem de fome, para sustentar a luxuria de quem não se importar: com a consciência de classe e muito menos com a falta de comida no prato de um pobre, que infelizmente muitas das vezes não tem o que comer, no seu dia a dia, para se alimentar e sobreviver. Não reclamo por ter já passado fome na vida, pelo contrário, sou feliz por me sentir mais um negro drama que vence a fome provocada por causa da desigualdade social, porém não vejo romantismo nisso e sim o quanto a América Latina, sofre por ser o “surrealismo tropical”, como Glauber Rocha conceituou, onde o nosso opressor, lucra com todo esse miserabilíssimo que nos cerca pelo Brasil a fora.
E aqui não é redundância, daqui se infere que somente aqueles que tiveram medo de morrerem de fome, por estarem na garra dessa serpente da morte, sabem como é difícil sobreviver, sobre a pressão da insegurança alimentar, por não ter condições financeiras alguma, de comprar comida, e de sustentar dignamente a própria família, ou até mesmo, a si próprio. Só quem já teve a barriga doendo, por passar fome, por não ter comida no prato, em mais de um dia, ou dois, ou até mesmo em mais dias, por exemplo: como em uma semana. Sabe como é amargo o gosto desse veneno da noia, de não ter o que comer para nutrir-se, para acalmar este leão faminto, que nos devora aos poucos, como um verme, que se alimenta comendo a carne lentamente. Sendo que o faminto, sabe que quando não tem o que comer, é porque não existe mais luz no fim do túnel e o que resta pela frente, é só a vontade de matar aquilo, que esta lhe matando por dentro, interromper de alguma maneira, aquilo que só vai crescendo, enquanto o seu corpo definha em passos largos para a morte. Então não é tarefa fácil, questionar os porquês da fome ainda existir no mundo, sem antes não bater na porta da Filosofia, para saber dela, o que ela nos mostra nas entrelinhas, desse problema humanitário. Uma vez que os filósofos da Grécia Antiga, já tratavam esse problema, como caso de injustiça na polis, e as razões, que eles apontavam, estavam diretamente ligadas, à própria razão humana: na formação do caráter e não só no campo do debate político, e coisas da polis em si. Pois para eles, a fome seria caso de injustiça, exatamente por nascer, da falta de virtude, do “animal político”, como defendia Aristóteles, na sua analise: de como o ser humano agia na polis, através dos seus vícios e virtudes. O Filosofo e historiador, estadunidense, William James Durant, em seu livro A História da Filosofia, faz um comentário muito pertinente, sobre a questão da justiça e injustiça. Segundo sua analise: da obra a República de Platão, que vale ser destacada aqui, para exemplificar como os filósofos da Grécia Antiga, já discutiam e debatiam sobre esse tema. Ao analisar a visão de Platão, sobre o que é justo e injusto, Durant pontua, que para Platão: a “justiça seria uma coisa simples, se os seres humanos fossem simples.” Mas exatamente pelo fato dos seres humanos, não serem simples, não existe justiça no mundo, e uma das injustiças; é exatamente a fome, que é provocada como um problema social, só por causa dos vícios da humanidade. E dando continuidade a analise do William James Durant, sobre a questão da Justiça na visão de Platão, Durant faz um questionamento: perguntando-se por que um paraíso simples, como que o Platão descreveu na República, nunca chega? E ele mesmo nos mostra descrevendo o pensamento do Platão da seguinte maneira:
Devido à ganância e ao luxo. Os homens não se contentam com uma vida simples: são gananciosos, ambiciosos, competitivos e invejosos; logo se cansam do que possuem e anseiam por aquilo que não têm; e raramente desejam qualquer coisa, a menos que ela pertença a terceiro. O resultado é a invasão de um grupo sobre o território de outro, a rivalidade de grupos pelos recursos do solo, e depois a guerra. O comércio e as finanças se desenvolvem e trazem novas divisões de classes. “Qualquer cidade comum representa, na verdade, duas cidades, uma dos pobres e outra dos ricos, cada qual em guerra com a outra; e em qualquer das divisões existem outras menores – seria um grande erro tratá-las como estado isolado” (423). Nasce uma burguesia comerciante, cujos membros buscam a posição social através da riqueza e do consumo conspícuo: “eles gastam vultosas quantias com as esposas” (548). Essas alterações na distribuição da riqueza produzem alterações política: quando a riqueza do comerciante ultrapassa a do proprietário de terras, a aristocracia cede lugar a uma oligarquia plutocrática – comerciantes ricos e banqueiros governam o Estado. Então a estadística, que é a coordenação das forças sócias e o ajuste dos programas de governo ao crescimento, é substituída pela politicagem, que é a estratégia do partido e a sede pelos benefícios do cargo público ( DURANT, 1926. pag 45)
Durant vai bem ao nó da gravata e aperta ela, ao nos mostrar, como Platão, descreve a questão de justiça e injustiça, ao descrever que em uma mesma cidade, existe duas cidades: uma dos ricos e a outra dos pobres. E que essas são controladas por uma oligarquia plutocrática. E que por vez, essas cidades, vivem em guerra; uma com a outra, dentro da mesma “polis”. Porém essa anomalia, provocada pela desigualdade social, ainda é capaz de fazer mais subdivisões, um exemplo dessa subdivisão: é de quem vive na extrema pobreza e de quem vive na extrema riqueza. E como não existe equidade, em uma cidade injusta, pessoas vão passar e morrer de fome, apontando o sintoma de injustiça social. Pois como Durant demonstrou, através da sua análise da República de Platão, que os seres humanos, não se contentam com uma vida simples, o que por sua vez, vai provocar injustiças como a fome; E essas injustiças por sua vez, será sempre provocada pela exploração dos mais ricos, sobre os mais pobres. Provocando subdivisões de classe, por causa da desigualdade social que é gerada, exatamente por causa da busca de poder, assim como a promoção da ganancia e do luxo, que afasta os seres humanos da vida simples.
A fome por ser provocada por injustiças, e essas injustiças, serem frutos de vícios como por exemplo: os pecados capitais, que a Escritura Sagrada sempre condenou. Também passa pelo clivo espiritual, e de autorreflexão. E são exatamente, as praticas das virtudes, ou dos vícios, que tornam a fome, além de um problema social, também filosófico. Dado que a fome, passa ser um mal na sociedade, exatamente, quando essa sociedade, torna-se injusta; por causa dos vícios praticados pelos os seus cidadãos; e por vez: pelas injustiças do Estado, contra os seus cidadãos, por causa desses vícios, praticados pelos próprios cidadãos, que são fruto desse ciclo vicioso. O que prova, que acabar com a fome no mundo, não é uma tarefa fácil, pelo contrario, é bem mais difícil que parece, e esse fato: ainda nos aponta, o porquê da fome, também ser um problema filosófico. Por isso que ter consciência de classe, não deve ser somente um direito, que todos devemos ter, mas uma obrigação, que todos nós, devemos ter, assim como um exercício diário de combatermos a fome, e todas as injustiças sociais; assim com um compromisso, com a verdade, na pratica das nossas ações, para escolhermos as virtudes, em vez dos vícios, que ajudam a provocar a desigualdade social. Daqui se infere que, explicar para o cão faminto, que se encontra nas mãos do opressor, por causa da fome. Que é uma falácia que ele não deva morder a mão de quem o alimenta, e decide se ele vai comer ou não. Uma sociedade justa, necessita que o cão faminto, entenda que a noia que ele sofre, por causa da fome. Deve-se ao fato que essa mão, o controla através da fome, para mantê-lo servil a mão qual o alimenta. Portanto, não é somente uma fofoca, alerta o cão faminto; sobre as verdadeiras intenções da mão que o alimenta, mas um compromisso com a verdade, e é acima de tudo, uma virtude e um ato político. Verifica-se que, esse cão faminto, precisa saber que ele, só vai ser alimentado, se ele tiver razão prática, e não cometer mal algum, contra ninguém, mesmo que a fome o obrigue, por exemplo: a comer a mão que o alimenta. E aí fica aquela pergunta no ar: como que um cão faminto, vai conseguir ter razão prática, diante a essa noia da fome? Como que esse cão, vai conseguir, ter discernimento, entre o que é certo, ou errado, do que é virtude ou vício, se ele está entre a vida e a morte, exatamente por causa da fome. Atendendo que não é fofoca, contar para o cão faminto, que ele só esta faminto, porque a mão que o alimenta, quer que ele continue faminto, para servir somente a essa mão. Exatamente, pelo fato que assim, o cão faminto, mantém-se subserviente, a essa mão perversa, que o controla. Porque tudo que essa mão quer, é que esse cão faminto; pense que a mão que o alimenta, é benevolente. Uma mão benevolente, de uma pessoa, que tem empatia com as outras, e um coração caridoso. Sendo que é exatamente o contrário; essa mão na verdade, não é a que alimenta o cão faminto, mas essa mão, por exemplo: pode ser comparada a mão invisível, que rouba o proletariado, através da mais valia. Deixando-lhe na condição de escravizado pelo salário mínimo, ou pela falta dele. E conscientizar o cão faminto, sobre consciência de classe, é um ato político e mais que uma obrigação de quem luta, contra as injustiças sociais, como a fome. Pela razão de que, é só deixar esse cão faminto, ter consciência de classe e sede por reparação histórica, que não só a mão que o alimenta, tornará-se alimento, para saciar a fome desse cão faminto, mas o corpo todo, se esse cão entender, que é aquela mão, que o alimenta, que é mão a culpada de lhe deixar na condição de miserável e morto de fome.
E a noia da fome, é tão brutal, que ela transforma o caráter daqueles que passam fome, ao ponto de fazer pessoas, que nunca cometerem crimes algum na vida, a passarem a cometerem crimes, como a roubar e até mesmo matar, para fugir das garras, dessa chaga maldita, que apavora a humanidade. Mas que por outro lado, é mais que uma arma de guerra na mão, daqueles que detêm o controle da segurança alimentar. Assim como também essa doença que leva muitas pessoas para prostituição, tanto quanto leva jovens para o mundo das drogas; como uma maneira de tentarem escaparem, dos domínios de um dos quatros cavaleiros do apocalipse. E essas pessoas são motivadas pelo próprio medo do demônio da fome, por causa da dor que ela nos provoca e nos faz sofrer, ou do medo de morrer por falta de não ter o que comer para nutrir-se. E quando a noia da fome torna-se a culpada por levar jovens para o mundo das drogas, mas aqui quero dizer que essa paranoia é capaz de levar o jovem tanto para o tráfico, como também pode levar o jovem a se tornar mais um viciado e usuário de drogas. Pois infelizmente é mais fácil para o jovem preto favelado encontrar emprego na boca do tráfico, do que emprego na fila racista dos desempregados. Quanto por outro lado, os jovens que se encontram nessa vulnerabilidade social; são atraídos para o mundo das drogas, porque acabam se tornando usuários, pois infelizmente é mais fácil comprar drogas fiado em nosso país, do que um supermercado doar uma cesta básica para quem vive na condição de estrema pobreza. É mais fácil a justiça no Brasil condenar uma mulher de 41 anos pobre que esta desempregada que e é pega furtando alimentos em um supermercado, do que um rico branco que é pego em corrupção de merendas escolares por exemplo. Visto que uma mulher foi presa em São Paulo, por roubar “dois pacotes de macarrão, duas garrafas de refrigerante e um suco em pó,” para matar a sua fome e dos seus filhos. Como foi o caso da decisão da 6ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP. A mulher foi presa em flagrante por causa de R$ 21,69 que é o valor total de todos os produtos que ela furtou para comer com sua família que passava fome. O que prova que a justiça no Brasil é seletiva e que sempre condena os pobres, mas não um branco rico que enriqueceu através da corrupção que provoca a miséria que faz a mãe, ou o pai desempregado a roubar para alimentar a sua família. Entende aqui, a razão que nos faz termos a obrigação, de informar o cão faminto, que a mão que o alimenta, na verdade é a mão que o escraviza?
Agora imagina uma mãe negra e grávida; já mãe de uma criança com menos de 2 anos, passando fome com a sua criança e com um bebê crescendo em sua barriga sem nutrição. Imaginou? É difícil imaginar essa cena e não surtar, assim como é impossível estar nessa situação e não pensar em cometer um crime. E é essa pressão que leva muitas mães irem para a porta de banco, ou supermercado pedirem esmola como forma de escapar dessa doença maldita. No entanto, o fato é que essa cena que você imaginou agora em sua mente, é comum em nosso país e possivelmente tem alguma mãe passando por isso agora. E quem vive sobre essa noia da fome, vive sobre a pressão da insegurança alimentar que é capaz de deixar qualquer um com disposição para o bem, ou disposição para fazer o mal. E essa paranoia pode ser pior que o próprio surto de uma noia, de uma abstinência de alguma droga qualquer. Porque diferente do dependente químico, que acaba sofrendo uma paranoia pela abstinência de estar sem a droga, qual ele é dependente. O faminto sofre com o delírio da fome, não pela razão de não poder satisfazer um vício, mas pelo fato de não poder alimentar-se, por falta de comida no prato, e ele sofre por falta de nutrição, sofre pelo trauma da insegurança alimentar que a fome provoca. E essa noia é capaz de provocar alucinações que além de levar o faminto ao surto, ela vai lhe matando aos poucos, como um câncer maligno que mata várias pessoas no mundo todos os anos. E agora lhe peço que faça outro exercício, para refletir profundamente, sobre a fome no mundo, pare um pouco e imagine quantas pessoas, estão passando esse drama no mundo nesse exato momento, enquanto está aqui lendo essas linhas; você consegue ter ideia de quantas pessoas estão sofrendo com esse drama no mundo, nesse exato momento que você está aqui lendo sobre a fome? Entende o motivo pelo qual, que quem tem fome, tem pressa. Entende que não é só uma obrigação lutar contra a fome, mas um dever.
No entanto, essa paranoia da fome também é capaz de fazer o faminto transcender para escapar das garras do anjo da morte, dado que é da estética da fome que muitos brasileiros conseguem fugir da miséria que assola nosso país. Mas essa fuga da fome pelo cominho seguro da Arte não é uma regra no jogo da desigualdade social, porém uma exceção que poucos conseguem se agarrar para sobreviverem em um país da fome como o Brasil e não existe meritocracia aqui, pois o que de fato existe aqui, é uma arena para famintos se digladiarem uns com os outros e poucos saem vivos, tanto quanto bem de saúde mental, ou física desse guerra para a própria sobrevivência. Glauber Rocha conceitua no seu Manifesto da Estética da Fome, que “a mais nobre manifestação cultural da fome é a violência” e essa fuga do miserabilismo através da arte não é para ser romantizada por causa disso, pois ela não é uma regra, e não passa de uma exceção, assim como seu processo é completamente violento, totalmente de ruptura e temos que concordar com Glauber Rocha; Uma vez que esse processo é de descolonização e de libertação dessa prisão que é essa Fome Latina. Fome maldita que aprisiona milhares de brasileiros nesse miserabilismo, na condição de neocolonizado por esse projeto eugenista da fome, que foi deixado pelos colonialistas e que é totalmente escravagista, assim como a Fome Latina é cria do paternalismo europeu em relação à miséria que assola o Terceiro Mundo. E a nossa cultura de superação nasce dessa própria fome. Tanto que Glauber Rocha descreve que:
Nós compreendemos esta fome que o europeu e o brasileiro na maioria não entenderam. Para o europeu, é um estranho surrealismo tropical. Para o brasileiro, é uma vergonha nacional. Ele não come, mas tem vergonha de dizer isto; e, sobretudo, não sabe de onde vem esta fome. Sabemos nós. ( Rocha, 1965.)
Glauber Rocha pontua que “para o europeu essa fome é um estranho surrealismo tropical,” e para nós brasileiros, uma “vergonha nacional”. E creio que se partirmos que no surrealismo é a atividade criativa do nosso inconsciente que tem seu papel enfatizado na arte, pode se entender que esse surrealismo tropical estranho que o europeu enxerga com seu olhar sobre essa Fome Latina, que o Glauber Rocha que nos mostrar, é esse inconsciente da atividade criativa qual o europeu construiu a Fome Latina para materializar a realização do seu sonho tropical e burguês. E é uma vergonha para nós brasileiros, pois sabemos o real motivo de vivermos no miserabilismo do Terceiro Mundo, que essa culpa é exatamente do surrealismo tropical qual o homem civilizado acha magnífico, mas nós brasileiros sabemos como é difícil à superação desta noia e que é uma arte em si mesmo passar fome e não morrer, daí sentimos vergonha dessa cultura da superação, pois não conseguimos romantizar a dor e o sofrimento do miserabilismo, ao contrário que pensa o europeu, por isso Glauber Rocha enfatiza no mesmo Manifesto que: dispensando a introdução afirmativa que se tem transformado na característica geral das discussões sobre América Latina, prefiro situar às relações entre nossa cultura e a cultura civilizada em termos menos reduzidos do que aqueles que, também, caracterizam a análise do observador europeu. Assim, enquanto a América Latina lamenta suas misérias gerais, o interlocutor estrangeiro cultiva o sabor dessa miséria, não como sintoma trágico, mas apenas como um dado formal em seu campo de interesse. Nem o latino comunica sua verdadeira miséria ao homem civilizado nem o homem civilizado compreende verdadeiramente a miséria do latino. ( Rocha, 1965.) E temos aqui o “interlocutor estrangeiro” que “cultiva o sabor da miséria” que ele mesmo cultivou ao mesmo tempo em que temos o Latino que não consegue expressar a real miséria para o homem civilizado como se deve, pois este não passa de um “dado formal” para o seu opressor. Dado que é exatamente pelo fato do Latino ter que romantizar essa miséria que ele sofre, na maestria de um artista fazendo arte, para comunicar com seu opressor, de uma maneira intelectual e não da mesma forma violenta, que ele sofre essa opressão para ser compreendido pelo homem civilizado não mais como um homem selvagem, mas como um homem tecnizado. Já por outro lado, essa Estética da Fome acaba causando esse “sintoma trágico” que é o “sabor dessa miséria” na boca do “observador europeu”. E por vez, provoca uma frustração que fica como um trauma para o Latino por causa da castração que oprimido sente por não conseguir expressar para o opressor toda a miséria, dor e sofrimento que sofre. E essa manifestação artística qual o oprimido busca para escapar da fome é maneira qual ele encontra para dar o seu grito do excluído e pedido de socorro. E é assim que o interlocutor estrangeiro passa a aplaudir e depois sentir pena desse surrealismo tropical que vive o Latino que passa fome e mesmo assim encontra força para sobreviver através da arte, e não da violência em si, mas através da própria razão humana que é a arte. E aí admitindo que essa noia se estenda a todos que estão presos sobre a insegurança alimentar provocado por causa da desigualdade social e tal como, pela falta de consciência de classe, todos que sofrem por não terem comida no prato e pertencerem ao mapa do miserabilismo social, sofrem com essa eugenia da fome e por isso não se encontra o Belo na Estética da Fome, mas o trágico que se torna cômico. Pois mesmo que um artista que veio dos guetos, tenha vencido na vida e cante que a favela venceu em suas músicas, não vai ser a favela que vai ter vencido em si, mas somente aquele indivíduo que tem sua origem vinda da periferia. Mas mesmo que a vitória seja individual, a Favela vibra pela vitória do seu, como se fosse à vitória de todos. Mas o trágico se encontra aqui, onde essa vitória não é uma regra, mas uma pura e mera exceção. E considerando o tamanho do iceberg que é a estrutura da desigualdade social, essa vitória se torna trágica por ser minúscula diante do tamanho do problema, tanto como pelo fato dela não parecer coletiva, mas individual. Mesmo sabendo nós que a vitória de quem sai dos guetos e vence na vida é gigante.
E Glauber Rocha ao explicar que nem nós Latinos conseguimos expressar a verdadeira noia que sofremos por causa da fome, para o homem civilizado, como este homem civilizado por sua vez, também não consegue compreender perfeitamente essa Fome Latina que o próprio homem civilizado nos deixou como herança histórica da colonização. Ele nos aponta ainda que para nós Latinos só resta à superação, pois mesmo que ela venha dessa própria fome que nos não entendemos, ela só torna um caminho seguro para a liberdade, quanto necessário ser percorrido por aqueles que querem desconstruir e acabar com o miserabilismo no mundo. Pois se pegarmos o que Platão coloca na República quando coloca que “qualquer cidade comum representa, na verdade, duas cidades, uma dos pobres e outra dos ricos, cada qual em guerra uma com a outra” podemos comparar que nós Latinos somos as cidades dos pobres, e os europeus, a cidade dos ricos, o que nos faz vivermos em constante guerra. Exatamente pelo fato que aqueles que vivem nas cidades dos ricos, querem controlar e escravizar aqueles que vivem na cidade dos pobres, para manter seus privilégios e poder político. Aí reduzindo em subdivisões, trazendo aqui para a América Latina, temos a cidades dos ricos e as cidades dos pobres também, por exemplo, na cidade de São Paulo, quem mora no bairro Morumbi vive na cidade dos ricos e quem mora no bairro periférico vizinho em Paraisópolis, vive na cidade dos pobres. Ambos os bairros vizinhos vivem em disputas, sendo que quem mora no Morumbi, mora em um dos metros quadrados de terra mais valorizado e seguro da América Latina, e quem mora em Paraisópolis por sua vez, moram em uma das regiões mais violenta da América Latina e tendo o metro quadrado de terra super desvalorizado. E essa disputa é vencida por quem mora no Morumbi que faz parte da elite do nosso país e controla a vida dos pobres. Como? Da seguinte maneira, quem mora no Morumbi não passa fome e jamais vai trabalhar de serviços gerais para quem mora em Paraisópolis. Já quem mora em Paraisópolis, torce muitas das vezes para conseguir um bom emprego de serviços gerais no Morumbi, por exemplo, para não correr o risco de passar fome. Por isso Platão afirma que seria um grande erro tratar essas subdivisões como um “estado isolado”. Pois a luta de classe é como essas cidades dos ricos e a outra dos pobres que Platão descreve entre o diálogo de Sócrates e de Glauco na sua obra a República, e ambas as cidades vivem em guerra uma com a outra. Tanto que o medo do rico é ficar pobre e o sonho do pobre é ficar rico, daí vem o controle dos ricos sobre a vida dos pobres, onde eles usam a fome como mecanismo de controle e de medo. Assim como de extermínio, uma vez que todos os anos morrem centenas de pessoas no mundo por causa da fome.
E de onde vem essa fome Brasil? E “sabemos nós”, “nós” quem? Você sabe de onde vem essa fome que o brasileiro sofre? E você, tem fome de quê? Você precisa de quê para se alimentar? Você sabe que fome é essa que estamos falando? Como assim você não precisa de nada para sobreviver, todos nós precisamos de alguma coisa. Por acaso você já viu algum saco vazio parar em pé? Você por acaso já se perguntou por que a fome existe, por que uns passam fome e outros desperdiçam muita comida? Quem é o verdadeiro culpado disso tudo? Aquele privilegiado que desperdiça comida por fetiches, ou o passa fome que não tem o que comer para que um privilegiado possa desperdiçar? Você já se perguntou o motivo pelo qual o Brasil vende o minério de ferro para comprar o aço do minério de ferro que ele mesmo vendeu? Aço qual poderia ser produzir aqui mesmo em nosso país. Você já se perguntou por que a carne do negro é a mais barata do mercado? E a culpa da fome ainda existir no solo brasileiro é de quem Brasil, você já se perguntou? A culpa é do povo que não sabe que é o próprio povo, ou daqueles que se acham donos do povo? Ou a culpa da fome existir no Brasil também é uma das entrelinhas do racismo estrutural? Visto que são os negros que mais morrem de fome no mundo e que aqui no Brasil também não é diferente. Sendo assim, senhor brasileiro, eu quero saber, como pode existir direito a vida, mas não uma lei que proíba a fome em nosso país, se a fome tira vidas? E o direito a vida, como que fica senhor brasileiro, vós que sabeis de tudo, de todas as coisas. Diga-me senhor. Doutor, o senhor que é formado em faculdade e tudo, têm bacharel. Responde-me o porquê de ainda a fome existir no Brasil, pois aqui se tem muita terra para plantar e olha que aqui é uma terra qual se plantando tudo se dá. Porém senhor cidadão brasileiro, você sabia que a nossa Carta Magna, a nossa Constituição assegura o direito humano à alimentação, sendo o Estado responsável pela alimentação não só dos brasileiros que passam fome, mas de todos que estejam em solo brasileiro. E o direito humano à alimentação está contido no artigo 6º da Constituição Federal da seguinte maneira em seu caput:
Art. 6º – São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o
trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados,
na forma da constituição. (Constituição Federal)

E o que é o direito a Alimentação? O Direito Humano à Alimentação é um direito comum, um direito básico que foi reconhecido pelo Pacto Internacional de Direitos Humanos, sociais e culturais, qual o Brasil faz parte e foi ratificado por 153 países. Então a fome além de ser uma questão ética provocada por causa das ações humanas, a fome acaba sendo acima de tudo uma questão política e o combate a ela, é um direito garantido. A fome é uma das garras do capitalismo e herança do patriarcado, assim como o próprio capitalismo também faz parte dessa herança maldita do patriarcado. E lutar contra a fome em nosso país e no mundo é enfrentar todas essas forças malignas que passa pela eugenia, pelo racismo, pelo fascismo, pelo machismo e faz parte dessa estrutura do capitalismo do patriarcado que mantém a riqueza concentrada na mão da minoria, enquanto a maioria da população vive na pobreza e tendo a fome como maior vilã e pesadelo como a noia. E a fome que no passado, na época neolítica, através da superação, foi responsável por ajudar o homem a desenvolver tecnologia para controlar o fogo e assim produzir o fogo para sobreviver, essa mesma noia da fome que serviu como meio incentivador para a evolução humana, hoje essa noia nos aponta como o ser humano está se afastando do conceito de humanidade, exatamente por causa dessa doença, que é provocada por ações imorais dos seres humanos, por ganância, por avareza e cede de poder. Que faz uma classe dominante oprimir e controlar a classe mais pobre, exatamente através do mecanismo da fome, que é usado como uma ferramenta eugenista para diminuir e controlar a população mais pobre do mundo.
Por: Mauro Aniceto
Graduado em Filosofia na UFOP
Bibliografia:
ROCHA, Glauber. Manifesto Estética da Fome. 1965
Platão. A República.
DURANT, Will. A HISTÓRIA DA FILOSOFIA; Tradução de LUIZ CARLOS DO NASCIMENTO SILVA, Editora Nova Cultural Ltda, 2000.



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