Nos últimos dias eu estive impossibilitada de escrever aos nossos leitores por motivos de saúde. Assim que me vi em condições de me inteirar dos últimos acontecimentos, deparei com intermináveis postagens nas redes sociais acerca das polêmicas envolvendo os participantes do BBB. Decidi compartilhar com nossos leitores do Site Cultura Preta a reflexão do historiador Flávio Muniz acerca de um dos fatos que considero de maior relevância, a qual foi originalmente publicada em sua página pessoal do Facebook e cujo texto será reproduzido integralmente aqui. Além de ser uma análise do ponto de vista de quem tem acompanhado as celeumas, é uma reflexão muito lúcida e poderosa, com a qual concordo e faço coro. Desejo a todas as pessoas uma ótima leitura, e, sobretudo, que seja incentivo para que compreendamos que “Quilombo é ginga de corpo e na vida, e não unicamente harmonia”.
Vanilda Santos
Escrito por Professor Flávio Muniz
Trago algumas reflexões:
* Nem todo não branco é Negro. (B.S.Biko)
* Pretos não pensam ou são iguais.
Numa sociedade racista ou racializada como no Brasil, todos os comportamentos de Pretos e Pretas recebem um julgamento mais intenso que de não Negros. É estrutural. De Lucas a Concá, a briga não é entre o bem e o mal, é a oportunidade de compreender que as pessoas são produto de existências complexas marcadas pela exclusão, inclusão, rejeição, aceitação, família, abandono, amigos, trabalho, fé, estudos. Vivemos a beira do caos, tentando ignorar os estereótipos lançados e reforçados pelas grandes mídias. Sim, contra o estereótipo de mulheres Negras revoltadas ou de jovens Negros marginalizados, brutalizados. Quantas esquetes e brigas de homens e mulheres brancas foram protagonizados nos BBBs e Fazendas, e o ser Branco nunca foi a questão. Mas parece que ser Preto é sempre a questão.

Karol está sendo ridícula, Lucas errou, mas desde quando eu comecei assistir este zoológico humano do século XXI. Não assisto, mas repercuto o recorte que acho conveniente. E neste caso, caíram do cavalo achando que quilombo é feito de harmonia. Quilombo é ginga de corpo e na vida. Nossos antepassados foram sequestrados de diferentes povos na África, e colocados juntos em navios e fazendas com pessoas que a única semelhança que tinham (às vezes) era a própria cor da pele. Deuses diferentes, crenças e línguas diferentes. Alguns inimigos secularmente mortais. E assim foram pulverizados por fazendas e cidades brasileiras, estuprados, estupradas, mortos, brutalizados, excluídos, explorados, mas ainda assim lutando contra tudo e todos pela emancipação e liberdade. Alguns aceitaram um “Deus” cristão, outros trouxeram e reinventaram os “deuses”, alguns abandonaram a fé. Mas todos seguiram lutando. E para um escravizado, obstáculo é tudo e todo aquele que está entre ele e sua liberdade não importasse cor ou origem, pois a liberdade é sempre um destino, uma viagem. Não existe mundo ideal, mesmo porque os descendentes destes povos guerreiros, ainda lutam todos os dias.
A força destrutiva das palavras de Karol pode ser sua muralha de defesa pra sua baixa autoestima e convicção que a impede de construir pontes sobre suas águas revoltas, enquanto Lucas rodopia no rio nadando ainda na sua juventude a procura de uma margem segura para por os pés. Poxa, mas o que estou fazendo aqui neste texto sem sentido? Defendendo Lucas, Karol? O BBB? Nada disso, mesmo porque este zoológico humano com encarceramento voluntário, onde o que liga todos ali dentro é o desejo de ganhar dinheiro ou fama, nada além disso. São meros peixinhos e peixinhas de aquário com anzóis nas suas bocas.

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Ouvi um dos participantes dizer que é o BBB com maior participação de Negros, e daí? Estamos morrendo de COVID, 2/3 de Negros(as) são as vítimas fatais. Ainda somos mais mortos pelo Estado. As mulheres Negras ainda são as maiores vítimas de feminicidio. A participação de Pretos e Pretas não é irrelevante no BBB, é apenas sintomática. A evidência de que querem construir um discurso de negritude única, ou feminismo Negro restrito, ou de identidade Negra estática. Nada disso é sólido e se desmancha no ar. Mas agora todos têm a oportunidade de exercer seu fetiche de feitor e escolher dar as chicotadas na “Negra rebelde” ou no “Negro indolente”, só não se esqueça que a mão que empunha o chicote, é a sua. O que fazer então?
É um jogo, sempre foi! Eles estão jogando o jogo das ilusões. Todos podem sair. Mas querem ficar e melhorar o nível hierárquico dentro do seu “poço”. “Existem três tipos de pessoas: as de cima, as de baixo e as que caem”. Agora você acha que sabe quem é Karol, ou Lucas, mas quem é você neste jogo? Eles são dois jogadores que por um “acaso” não são brancos. E estão usando suas pautas para tentar estabelecer suas próprias estratégias de sobrevivência no zoológico BBB. Mas vejo algo de interessante e necessário refletir com tudo isto: Pretos não pensam de forma igual, entenda isto e não crie falsas expectativas. Malcolm não se dava com Luther King, Muhammad Ali não se dava com Frazier. Enfim, na vida descobri que tem pessoas que a única coisa que tenho em comum com elas é a cor da pele, mas também descobri muitas que a única coisa que temos de diferente, também é a cor da pele. Somos o que somos. De perto ninguém é normal já dizia Caetano.
PS: Se Lucas está sofrendo abusos, assédio moral dentro do programa e a instituição Globo, colegas de programa e expectadores não denunciam a justiça, são igualmente responsáveis por ação direta ou omissão.