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As vozes de um racismo velado na vida de um negro


Desenho: Mauro Aniceto

As vozes de um racismo velado na vida de um negro

Quer mesmo saber como foi?
Quando você era criança, você teve uma infância pesada.
Consegue se lembrar?
Da ponte pra cá como vocês gostam de falar.
Caso não se lembre não se preocupe que vou lhe ajudar a se recordar.
É que dia sim e que dia não,
Na sua casa faltava comida na panela e dinheiro para o pão.
Para sanar o problema daquela desnutrição.
Não foi fácil ter que trabalhar e estudar, né?
Aí, ainda no primário,
As duas reprovações na terceira série vieram.
Isso foi tão forte para você,
Que você quase saiu da escola para sempre, lembra?
E mesmo assim, você teimoso que é acha que vai conseguir chegar lá.
Continua tentando sem parar achando que é o mágico de Oz.
Andando com os pés descalços sem cansar,
Pé sem sorte, pé preto preso as correntes.
Quantas vezes você foi a locaute pela rejeição
E quis se enforcar com as próprias correntes do pé?
Quantas vezes você já foi jogado na lona?
Não basta você ser sempre nota 10,
a sua pele sempre te condena.
Para você não existe fórmula mágica da paz.
E mesmo assim, você ainda quer ir adiante achando que é gente grande?
Homem na estrada? Tá bom.
Gente como vocês, da sua raça, são acéfalos e ignorantes.  
E tem como provar, seu fracasso já é prova viva disso.
Então quer dizer que você quer tentar de novo?
Tá ouvindo alguém lhe chamar?
Não cansa de passar vergonha e ser humilhado como sempre?
Tenha dó de si mesmo e deixe isso para lá indigente.
Nunca leu Monteiro Lobato?
Olhe para sua cor,
Olha para sua falta de grana;
Olhe sua casa,
Olha a sua favela;
Olhe esse jeans seu velho,
Olha essa peita sua velha;
E tenha vergonha nessa sua cara preta.
E não vem falar que ama tudo isso, ou aquilo.
E que tem orgulho de ter nascido na Senzala e não na Casa Grande.
Quem tem falha não vai subir para o céu e você sabe bem disso, né?
E veja que você que é culpado, quem mandou nascer dessa cor?
Como dizia seu irmão mais velho, já nasceu falhado.
E olha que ele era preto também, só que filho de outro pai.  
Você é o prego e o homem branco é o martelo.
Sempre foi assim e sempre vai ser.
Parabéns por ser esforçado parceiro,
Mas não vou pagar almoço atoa para você.
E não adianta querer transforma o futuro,
Sonhar deveria ser proibido para os negros,
Para preto não passar vergonha como você passa todos os dias.
E lembra que depois de velho vai ter que sustentar sua mãe e a si mesmo.
Então quer ser vida loka e desrespeitar as regras?
Você já sabe que a vida é um desafio.
Você não se lembra?
Não adianta pagar de Negro Drama.
Na escola você era aluno nota zero.
Como você não lembra que começou a labutar ainda criança?
Que por fetiche de moleque revoltado,
Comprava a própria comida e os próprios brinquedos do natal.
Quem te falou que você vai chegar lá?
Para com isso, já falei que você não vai chegar lá andando.
É um por amor e dois por dinheiro, né?
E assim, você acaba explorado.
Tá bom, você entrou, mas agora quero ver sair.
Afinal: você sabe que preto quando não cagá na entrada,
Vai cagar na saída, então para colega que ta feio.
Aliás, é bonito ser feio?
Desceu para o play, agüenta o jogo.
Se apelar com brincadeira vai provar que é violento.
Crime vai e vem, parece até que não aprendeu.
É isso, respira, respira e não se írrita.
Viu?
Eles não gostam de você aqui.
É esse seu palavreado, 
É essa embriaguez que você vive nela.
É este sorriso de preto
É esta pobreza que você vive nela
Você só anda de chinelo e tem pé de maracujá.
 – E bafo de jacaré!
Também você só vive no fio da navalha.
Como que você está acreditando que vai chegar lá?
Você não vê como se parece com seu pai?
Seu cabelo é duro e ruim igual o dele.
 E ele só tinha a sétima série.
Coitado, morreu cedo igual todo bom pobre preto trabalhador.
Deve ter sido o trabalho pesado.
Mas também dizem que foi a cachaça.
Tá chorando?
Chora não.  
Chora mais safado, falei que você era pilantra.
Que isso tudo era desculpas para não trabalhar.
Jesus chorou não lembra amigão? Fica triste não…
Como é?
“-  Tô ouvindo alguém me chamar.”
Chamar para a fila do sine, né?
Não para a fila do restaurante popular cabaço!
Tá vendo aí?
Agora ninguém acredita em você,
Nem você acredita em você mesmo, né?
Tá com medo?
Tá com frio na barriga?
Eu sei que é foda, mas preto só pode errar uma vez.
Você quer viver, mas está morto, né?
“Eu te avisei”, “bem que te falei”.
Mas você além de negro é burro e honesto, burro!
Orelhudo é o que você é mesmo!
Já passou esses anos todos,
E você entrou faz tempo e ainda não saiu.
Olha o tanto de gente rica branca ao seu redor
Você é quem perto delas?
Lembra?
Piada pronta.
Você é só mais um preto favelado sem dinheiro no bolso.
E no Brasil tem um monte.
Você é só mais um descendente de escravizado.
Não adianta escrever isso em um Diário de um Detento.
Você não vai encher a barriga com esperança.
Vai comer o quê hoje negrinho?
“Tá com fome?
Come uai!”
Porém não tem nada nas latas, né?
E nos bolsos sem grana para o fast food, né?
Qual mentira vai acreditar para enganar a larica?
“Sou viciado”?
Falei como amigo que você não ia chegar lá.
Você sabe né, por cota tenho que ter um amigo preto,
Caso contrário é racismo e não tem racista aqui entre nós.
Por isso ainda lhe suporto.
Não adianta ficar com peso na consciência.
O quê que adianta toda essa consciência negra?
Falando que isso tudo é banzo?
Uma diáspora de correntes que você nunca carregou?
Isso é vitimismo de quem nunca trabalhou!
Fique esperto pelintra! 
Que isso malandro velho, você acha que é ligeiro?
Vai chegar aonde andando pra lá e pra cá sem nota?
Você só tem cota, lembra?
Que pena gente,
o projeto de criatura humana acha que é bom para ser capoeirista.
Mas você não sabe escrever, mal, mal ler.
Quem dirá lutar por direito e liberdade.
Desiste e para de se humilhar
Gente como você não chega lá.
Cala logo a sua boca e começa trabalhar,
Você não sabe nem falar quanto mais argumentar.
Já chegou o fim do mês e você tem aluguel para pagar.
E olha lá, ta chorando de novo mané.
Fraco, nasceu para carregar carroça mesmo.
Mas como que vai aguentar se você é um peso pena.
Pena de dó, na verdade mesmo você é um peso morto.  
No xadrez,
As peças pretas começam depois das brancas não é atoa seu babaca.
Aceita logo que você nasceu para ser um boi lavrador.
Tá aí como mano na porta do bar bebendo e feliz.
E as suas contas para pagar?
Depois não adianta chamar a Nath Financia.
Vanessa da Mata já lhe mandou guardar os 30%,
E não se esqueça dos 10% da igreja.
E você ainda recebe menos de um salário mínimo por mês otário.
Tá vendo?
Você me fez ficar nervoso com essa resistência.
Com essa persistência de querer ser alguém na vida.
Agora, me explique desde quando o negro é alguém na vida?
Só mente de vilão mesmo achando que é herói.
Achando que vai libertar os pretos da vida de cão.
Você anda, anda, anda, mas acha que está chegando lá?
Mas saiba que você está andando para trás igual caranguejo.
Mil face de um homem leal que está sempre levando pau.
Me fala aí se seus tataravôs ou tataravós fizeram faculdade?
Nem seus bisavôs, ou bisavós fizeram né?
Dos seus pais nem vou falar nada, pois é covardia.
Pois tocar nesses assuntos a criança pira e perde a graça.
E você aí querendo ter algum nome na fé firmão,
Vai morrer na praia com a sua ilusão.
Negro limitado que vive gritando: “nada como um dia após outro dia”.
Não cansa de ser maltratado por achar que vai chegar lá um dia?
Depois não vem me chamar de Zé Povim.
Você está comendo capim porque gosta macakito.
Como é, macaco não come capim?
É um jumento sem inteligência mesmo papai do céu.
Tá explicado o fato de ter nascido preto.
Na hora da distribuição de cérebro chegou por último na fila.
Você sabe o motivo do preto só ter a palma da mão branca?
É para poder pegar no dinheiro e não sujar as notas.
Você ainda está aí?
O ponteiro do relógio tem pressa e o tempo é cruel
Quando assustar a sua vida passa em um piscar de olhos
E você vive e não vê nada dela acontecer.
Mas quem disse que negro tem visão de futuro?
Por isso que vive nessa ilusão de achar que não é livre como Isabel mandou.
Não vem com essa que somos quem somos,
Pois somos iguais a água e óleo que não se misturam.
Seu pulso ainda pulsa?
Seu coração ainda bate?
Queria saber de qual lugar que vem essa energia,
Que lhe faz acreditar que você vai ser capaz de chegar lá um dia.
Você ainda sonha?
Você ainda ama?
Quem é você que não quer para de tentar chegar lá ?
Que raiva, como pessoas como você me deixa irritado.
Quer ter tudo que é nosso na raça assim de graça. Invejoso!
Por isso que digo que não dá para ter dor de pessoas como vocês.
Mas se eliminar vocês tudo de uma só vez,
Quem é que vai fazer o serviço pesado?
E o serviço doméstico?
O fato é que esse é o motivo de você ainda estar aí rodando a rodinha,
Como um ratinho achando que vai chegar a algum lugar nessa vida.
O bom que você viu que não é na sua quebrada,
Mas sim na babilônia que filho chora e mãe não vê.
Que chicote só estrala nas costas dos negros.
Então não chora e engole o choro e não caia no faro do capitão do mato,
Caso não queira morrer cedo.
Para gente como você pouco importa quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha.
Pois o importante é comer qualquer um dos dois não é mesmo?
Como é que é?
Um negro como você conseguiu concluir um curso superior em uma federal?
Não acredito que além de tudo que fez,
Consegui esse privilégio de ter cela especial quando for preso.  
O quê? É para eu calar a minha boca.
Pois quem rir por último ri melhor e você nesse momento está rindo?
Capaz!
A criatura se formou em quê?
Em Filosofia?
É para ri ou para gozar?
Quer saber? 
Melhor eu me calar mesmo, pois vai viver do quê agora?
Pois além de preto favelado, o arrogante agora é filósofo.
E se o vagabundo não trabalhava antes,
Agora com esse diploma de maconheiro,
Que você não vai arruma trabalho mesmo, nem de pedreiro.
Vai mendigar pelas ruas pedindo dinheiro igual indigente como sempre fez.
E você tinha razão, mas só desta vez, quem rir por último ri melhor mesmo.
 Pois só rindo para não chorar de um preto zica como você,
 Que acha que é voz ativa na sua própria vida…

Mauro Aniceto 2020.

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