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O afro-brasileiro não tem só o direito, mas a obrigação de conhecer o processo da formação da sua cultura e identidade afrodescendente, por necessidade e pela sua dignidade humana.

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Nós afro-brasileiros não temos só o direito, mas a obrigação de sabermos qual é esse local que estamos ocupando involuntariamente e praticamente forçados em nossa sociedade brasileira, devido aos 300 anos de escravidão que infelizmente pertence e está contido em nossa história como civilização, povo e nação brasileira. O afro-brasileiro precisa saber qual Brasil que ele pertence, assim como é fundamental para autocompreensão da sua identidade, ele compreender qual o real motivo do Brasil ter sido o último país das Américas a extinguir e proibir a escravidão. O afro-brasileiro precisa empoderar sobre a sua história, precisa conhecer que esse fato histórico não foi um acidente no processo histórico da formação da Civilização Brasileira. Pelo contrário, esse fato foi puro interesse e estratégia dos escravistas que queriam e mantiveram os seus privilégios perante aos afrodescendentes. Como por exemplo, esse racismo velado, mascarado que existe em nossa sociedade negando que o racismo existe e que é essa estrutura armadas e organizada para manter essa verticalização da dignidade do branco perante a dignidade do negro, em um tom de superioridade de etnia, mesmo usando o discurso que somos todos iguais perante a lei. Essa estrutura racista foi organizada e pensada pelos escravistas eugenista com essa objetividade, com essa missão de manter o Povo Preto aos caprichos da branquitude e explorados por esses. A Professora da Universidade da Bahia – UNEB, Jaci Maria Ferraz de Menezes, em seu Artigo para a Revista HISTEDBR On-line, pontua que é importante estudar o período de lutas pela Abolição da Escravidão no Brasil exatamente por causa dessas razões em si, vejamos o que ela pensa sobre a importância desse estudo:

“O estudo do período de lutas pela Abolição da Escravidão no Brasil nos parece particularmente importante. Primeiro, porque comprova que a Abolição não foi uma dádiva, mas uma conquista. O resultado de um longo processo de marchas e contramarchas, tergiversações, em que os negros e seus aliados tiveram que passar por aprendizados – o aprendizado da luta política, ao lado da participação em guerras de independência e de construção de nações – onde o preço da liberdade (sua e dos seus descendentes) resultou, muitas vezes, no preço da vida.

Segundo, porque na forma como se desenvolveu o processo da Abolição se gestou também a futura forma de inclusão do negro na sociedade: ai se programa e, sobremaneira, se decide o novo país que resulta da Independência e do final da escravidão. Na América Latina, cada país estuda, analisa a experiência de seu vizinho: cada facção em luta aproveita ou não aquilo que o outro provou, ou procura fugir daquilo que a todos os escravistas atemoriza: a grande insurreição dos negros, ao modelo do Haiti.

Assim, o longo processo não é, em absoluto, espontâneo, mas dirigido: tem não apenas uma lógica interna, mas várias, contraditórias, conflitantes. Desvendar estas lógicas e, dentre elas, a vencedora, a que foi de fato aplicada, este é o nosso objetivo, para melhor entender os resultados deste momento e seus efeitos no momento seguinte – o pós abolição.”

Como foi destacado pela Professora Jaci Maria Ferraz de Menezes na citação do seu artigo: entre as razões que devemos dedicar ao estudo e ao debate sobre o processo de abolição da escravidão no Brasil, se destaca exatamente o fato da emancipação dos escravizados afro-brasileiros não ter sido uma dádiva que advém de uma bondade de uma “princesa”, muito menos por causa de uma lei incompleta, ou pela benevolência da branquitude. Pois essa conquista de liberdade dos negros escravizados no Brasil foi um processo longo e muito caro para o Povo Preto, preço pago não só com valor monetário construído com mão de obra escravizada, mas com a própria vida dos negros sobre a sua dignidade humana. Esse processo de lutas e conquistas dos nossos ancestrais afrodescendentes contra as colônias escravagistas incorpora o negro ao aprendizado e prática da política mercantilista do colonizador das Américas, mercantilistas racistas, capitalistas e exploradores do Novo Mundo. E com certeza a demora dos escravistas em ceder ao direito de liberdade dos escravizados era pelo fato que eles precisavam de mais tempo para fazer seus arranjos e manter as vantagens dos brancos perante aos negros e porque temiam uma revolta dos negros brasileiros ao modelo da Revolta de São Domingos.

A abolição no Brasil demorou e foi por etapa, pois não era só uma preocupação de novos costumes morais que a branquitude tinha medo de enfrentar, ou novas práticas sociais antes dos escravistas cederem as “suas mãos de obras escrava”, para a mão de “obra privada assalariada” da revolução do capitalismo industrial do século XVIII. Revolução Industrial que dispensava a mão de obra escravizada, já que a mão escravizada não garante os mesmos lucros que a mão de obra assalariada garante por causa da oferta e procura que essa cria no mercado financeiro. Os escravistas e a comunidade eugenista aristocrata do Brasil Império, precisavam de mais tempo para conseguir garantias e seguranças, pois era importante que a negritude não se tornasse uma ameaça para a branquitude no futuro após a abolição, era o temor ao medo negro.  É importante e relevante para a compreensão da sua identidade que o afro-brasileiro tenha pleno conhecimento que os escravistas foram forçados a ceder à grande pressão externa que vinha principalmente da Inglaterra, assim como não aguentavam mais resistir à pressão interna causada pelas revoltas e lutas permanentes dos escravizados pelo fim da escravidão no Brasil. Pois antes de cederem a essa pressão criada pelas revoltas e lutas dos escravizados por sua emancipação apoiados pelos abolicionistas republicanos. Os escravistas e grupos de eugenistas da aristocracia brasileira trabalharam em construir uma abolição que não fosse capaz de diminuir a condição de privilégios do “homem branco”, sobre a dignidade do “homem de cor”, muito menos reconhecer e valorizar os negros e sua cultura. Ou seja, foi feita uma abolição de forma incompleta para atender os interesses e privilégios do pacto da branquitude não só ali naquele momento histórico, mas para favorecer exatamente a essa branquitude perante aos escravizados nas suas gerações seguintes. Pois após aprovação da Lei Áurea, mais de 700 mil escravizados foram abandonados sem nenhum auxílio, somente com a ordem que estavam livres, mas sem direito a indenização, ou qualquer outro direito fundamental do trabalhador, ou da dignidade humana.

A Lei Áurea deixou os escravizados livres dos trabalhos forçados, mas deixou o Povo Preto escravizado pela desigualdade social, discriminação social e amarrado as vontades da branquitude através das suas leis e da estrutura do racismo mascarado e velado que mantém os negros sobre uma hierarquia forçada dos brancos. Lei abolicionista incompleta é racista, que atendeu mais aos interesses da branquitude, do que os anseios e necessidade do Povo Preto que lutavam pelos seus direitos, liberdade e dignidade humana. Lei que valorizou uma realeza branca aristocrata e excluiu o Povo Preto que lutou pela sua liberdade como Dandara dos Palmares, Zumbir dos Palmares, Anastácia, Luzia Mahín, Tereza de Benguela, Aqualtune, Maria Felipa de Oliveira, Chico Rei e o patrono da abolição da escravidão no Brasil o advogado Luiz Gama. Lei Áurea que foi proclamada há exatamente 132 anos atrás no dia 13 de Maio de 1888, um ano antes do fim do império, 66 anos após a independência brasileira de Portugal, 38 anos após a proibição do tráfico de escravos em territórios brasileiros, 84 anos após a Revolta de São Domingues. A Lei Áurea abole a escravidão no Brasil, mas não repara os direitos do Povo Preto e muitos menos devolve aos negros a sua dignidade e liberdade de fato.

A Revolta de São Domingos em 1804 abalou o mundo, pois foi à primeira revolta sangrenta dos negros escravizados contra os exploradores das Américas que deu certo e resultou em liberdade de uma colônia escravagista latino-americana não só da escravidão, mas da própria colonização, a revolta dos afrodescendentes no Haiti em 1804 influenciou em outras independência e abolições nas colônias escravagistas latino-americanas como a brasileira. A Revolução Haitiana é um marco na luta contra a escravatura, pois foi uma organização política afrodescendente que libertou não só os colonizados das mãos dos colonizadores, mas a própria colônia das mãos da sua metrópole. O apetite por liberdade, o desejo de vingança e o sonho de honrar os ancestrais levaram os afrodescendentes a vitória na Revolução de São Domingos, exatamente esse vudu lançado no Mundo pelos negros Haitianos na conquista da sua liberdade que passa a ser o terror da Europa escravagista nos anos seguintes. O professor Leandro Goya Fontella, Doutor em História Social pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHiS-UFRJ), já nos anos iniciais dos seus estudos lá em 2007, Leandro Goya Fontella já apresentava um estudo que indicasse a relevância do aprofundamento e entendimento da Revolução Haitiana na influencia da abolição da escravidão no Brasil. Seu estudo pontua como o mundo agiu e ficou abalado com esse marco importante para o Povo Preto, fato histórico que surgiu como uma chave para os cadeados das correntes dos afrodescendentes na América Latina. Em seu trabalho de Iniciação Científica Leandro Goya Fontella conclui e pontua a relevância dos estudos da Revolução Haitiana para as futuras abolições que ocorreram na América Latina da seguinte maneira:

“A importância da Revolução Haitiana transcende os limites territoriais que o Estado haitiano estabeleceu. Nota-se que, durante esse verdadeiro processo revolucionário,  – que suprimiu as elites coloniais e metropolitanas, tornando o Haiti à primeira colônia latino-americana a romper os laços coloniais que o amarravam a Europa e desarticulou qualquer tipo de possibilidade de retorno ao status quo vigente no período colonial – misturaram-se aos já complexos e explícitos interesses dos estratos sociais coloniais – que genericamente, envolviam desejos revolucionários, reformadores e reacionários – as rivalidades, quizilas e projetos das potências européias.

Além disso, a Revolução Haitiana estarreceu a Europa e a América, não só por seu triunfo, mas também devido à violência com que a pequena parcela da população branca, que restara no Haiti, fora massacrada pelos ex-escravos e mulatos vitoriosos. A partir dela, o medo negro espalhou-se por toda a América Latina e influenciou todo o processo de independência das principais colônias latino-americanas. Nesse contexto, as elites coloniais, assombradas pelo exemplo que vinha das Antilhas, tomaram para si a responsabilidade de conduzir as colônias à independência, fazendo com que esse processo excluísse as camadas sociais subalternas e ocorresse dentro de uma margem de segurança que não viesse a oferecer riscos de profundas transformações na rígida hierarquia social vigente.

 Em última análise, o processo de independência das principais colônias da América Latina caracterizou-se pelo conservadorismo das elites coloniais, e isso se deve ao medo de que esses grupos sociais tinham de que a experiência haitiana viesse a repetir-se em seus territórios.”

Seguindo as citações do trabalho de Iniciação Científica de Leandro Goya Fontella, que registra como “o medo negro espalhou-se por toda a América Latina e influenciou todo o processo de independência das principais colônias latino-americanas.”, ao ponto de obrigar as elites coloniais a se tornarem os protagonistas na condução da abolição da escravatura em vez dos afrodescendentes que lutavam pela sua liberdade perante as violações de direitos humanos provocada pelas explorações dos escravistas e pelo reconhecimento do branco do valor e da obrigação de respeitar a dignidade humana do negro. O medo negro então faz com que as elites coloniais antecedam o fim da escravidão para não sofrerem com o mesmo tipo de revolta como a do Haiti, pois as forças dos afrodescendentes estavam crescendo dia após dia mesmo com a violação dos direitos humanos dos escravizados pelos exploradores das Américas. Violações de direitos que estava levando muitos dos afrodescendentes a morrerem por maus tratos, por causa de alimentação inadequada, por não terem acesso a moradias apropriadas, por serem submetidos a diversos tipos de castigos físicos, morais e mentais, além das doenças e por falta de cuidados médicos. Mas essas moléstias quais os escravizados eram submetidos por mais cruéis que elas possam ter sido, a força, a resistência e a vontade de sobrevivência dos negros fizeram que fosse crescendo cada vez mais nas colônias escravagistas latino-americanas o medo negro. Assim, através do seu conservadorismo aristocrata, temendo revoltas similares em seus territórios, como a abolição aqui no Brasil, por exemplo, levaram as elites coloniais a conduzirem as independências desses territórios de forma cordial, onde eles pudessem construir uma abolição que garantisse os privilégios e vantagens dos brancos perante o Povo Preto, com o foco em eliminar a negritude nesses territórios mesmo após a abolição da escravatura e independência desses territórios por causa desse medo negro. O que nos permite dizer que o processo da abolição da escravidão no Brasil começou a ser organizado e de fato estruturado de forma política e coletiva pelos negros no território brasileiro a partir da formação do Estado Haitiano, uma vez que as revoltas, formações de quilombo e luta por direitos cresceram após a formação da nação Caribenha. Pois recitando a Professora Jaci Maria Ferraz de Menezes que conceitua que na América Latina, cada país estuda, analisa a experiência de seu vizinho: cada facção em luta aproveita ou não aquilo que o outro provou, ou procura fugir daquilo que a todos os escravistas atemoriza: a grande insurreição dos negros, ao modelo do Haiti. E foi exatamente esse medo negro de surgir vários estados político organizado por afrodescendentes na América Latina como surgiu com na insurreição do Haiti, qual provocou uma turbulência na Europa escravagista, que não sabia o que fazer perante a maior revolta entre as colônias escravagistas da América Latina, que motivaram outras revoltas iguais, colocando a questão do tráfego negreiro e da escravidão em debate público e político em suas cidades até como algo de importância de segurança pública. Logo após a Revolução Haitiana a discussão sobre a abolição da escravidão no Brasil ganhou força e começou a ser conquistada com muita luta e superação do Povo Preto a partir do momento que o escravizado começou a ser o seu próprio agente histórico no mundo, através de resistências e revoluções como a do Haiti que foram capazes de sacudir e abalar o mundo. E nesse processo histórico infeliz em nossa história que tirou nossos ancestrais de sua terra pátria mãe a força, para que aqui nas Américas fossem submetidos a vários tipos de humilhações cruéis e atos perversos contra vida, impostas pelos ideias eurocêntricos mercantilistas do Velho Mundo que via na mão de obra escravista o sonho do mercantilismo liberal acontecer no Novo Mundo. E devido a esse genocídio do Povo Preto da Mãe África, aqui nas “Colônias Escravagistas Americanas”, essa desumanidade não está só em nosso processo histórico, ela está presente em nossa memória cultural e que nos dias atuais é representada por esse racismo que o negro vive em seu dia a dia que aprisiona a sua cultura e identidade. E por questão de dignidade humana, nós afro-brasileiro temos o direito de conhecer a origem da nossa Cultura Preta. E para nós afrodescendentes o quanto antes identificarmos o nosso processo de formação cultural afro-brasileiro mais rápido estaremos livres das mãos do pensamento eurocêntrico eugenistas. Pensamento genocida que tem como missão a meta de nos eliminar através da escravidão física, moral, psicológica, cultural, religiosa, econômica e principalmente política. E se livrar dessas mãos, não é só abrir os cadeados das correntes, mas arrancá-las das nossas mentes superando essa diáspora. Pois não estou pontuando somente a conquista da liberdade de não se ter um dono, mas a liberdade de não nascer mais na condição de escravo da desigualdade e da criminalização por ser afrodescendente. Pois como conceituou a ilustre pensadora, escritora, poetisa, jornalista e professora brasileira Cecília MeirelesLiberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.  E não tem como existir dignidade humana sem essa liberdade, concorda?

E a dignidade do afro-brasileiro está muito longe de ser respeitada como se deve e como ele merece, – pois o respeito que nos devem e merecemos vai para além de sermos quem somos em nossa sociedade. – ou de ter direitos e lugar de fala respeitado, pois isso ainda é pouco para romper a bolha criada para manter os privilégios do pacto da branquitude nesse racismo mascarado, estrutural brasileiro que concede vida de fidalguia aos descendentes dos escravagistas no Brasil. Fidalguia sustentada graças à manutenção desses privilégios da branquitude sobre o afro-brasileiro garantido com a abolição incompleta da Lei Áurea. E por causa da manutenção desses privilégios da branquitude o afro-brasileiro vem sendo criminalizado, estereotipado, explorado, roubado, assassinado, violentadx, humilhado, desumanizado, escravizado todos os dias nessas cidades aristocratas brasileira do Vigiar e Punir. E pelo fato da dignidade do afro-brasileiro está muito longe de ser respeitada, ele tem o direito e mais que a obrigação de ter acesso a esse conhecimento, ele precisa por necessidade de sobrevivência; liberdade e direito a vida, a obrigação de alcançar essa bússola que vai apontar qual local que ele ocupa na sociedade brasileira atual. Pois quanto mais tempo os afrodescendentes demorarem a encontrar as verdades que o cercam e a origem da sua identidade cultural, dentro desse racismo estrutural e velado, deixado propositalmente em uma abolição incompleta, para manter os privilégios da branquitude em nosso país e manter o domínio desses, sobre a negritude, mesmo após o fim da escravidão no Brasil não é acidente algum. Como diria o antropólogo Darcy RibeiroO Brasil, último país a acabar com a escravidão tem um perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso.

E enquanto nós afrodescendentes não nos localizarmos e entendermos qual o lado da nossa moeda nesse jogo, nós vamos sofrer com as correntes da escravidão e estaremos condenados até que suportar essa herança maldita da colonização, promovido dentro desse pensamento eurocêntrico eugenista, que conceitua erradamente que a etnia negra é uma raça de seres humanos inferiores, e por isso, deveriam ser escravizados pelos brancos para atender a necessidade e anseio dessa classe dominante “enferma de desigualdade”.

E esse pensamento eurocêntrico eugenista é construído dentro de um modelo de estado aristocrata que foi defendido por Aristóteles em uma das obras mais influente na antropologia filosófica da humanidade que é o seu livro A Política, em sua obra o filósofo grego pontua que a origem do Estado e da sua maneira de Governo é a esperança de um bem, esse bem seria a sociedade e um Estado justo para seus cidadãos, havendo assim paz, justiça e prosperidade entre os seus núcleos familiares, logo dignidade humana. Igualmente para ele não existe diferença entre “uma grande família e um pequeno Estado”. E é importante para que se tenha uma boa compreensão e leitura política da estrutura social quais os escravizado afrodescendentes tiveram que enfrentar contra a Casa Grande, resistir e vencer através de muita luta, muita persistência em querer se ver livres de uma das maiores doença da humanidade, a escravidão. Eles tiveram que enfrentar uma sociedade escravocrata moldada nessa estrutura de Estado, de uma sociedade aristocrata aos moldes da política aristotélica. Estado e modelo de sociedade similar ao qual Aristóteles descreve da seguinte maneira:

“A principal sociedade natural, que é a família, formou-se, portanto, da dupla reunião do homem e da mulher, do senhor e do escravo. O poeta Hesíodo tinha razão ao dizer que era preciso antes de tudo A casa, e depois a mulher e o boi lavrador, já que o boi desempenha o papel do escravo entre os pobres. Assim, a família é a sociedade cotidiana formada pela natureza e composta de pessoas, que comem como diz Carondas, o mesmo pão e se esquentam, como diz Epimênides de Creta, com o mesmo fogo.”

O filósofo grego descreve que para que nada possa abalar a formação desse modelo de Estado, necessariamente tem que haver uma mútua preservação que siga essa máxima descrita por ele dessa maneira: a natureza deu a um o comando e impôs a submissão ao outro; seguindo que: Pertence também ao desígnio da natureza que comande quem pode, por sua inteligência, tudo prover e, pelo contrário, que obedeça quem não possa contribuir para a prosperidade comum a não ser pelo trabalho de seu corpo. Esta partilha é salutar para o senhor e para o escravo. Para Aristóteles o “Homem” é um animal político, sendo que para Aristóteles era o ser humano do gênero masculino mesmo, o “Homem”, por isso ele descreve o modelo de sociedade patriarcal como o seu ideal. Pois é no modelo de sociedade aristocrata patriarcal que o filósofo da Grécia Antiga assemelha a sua formação de Estado ideal. Ele coloca que à Mulher se difere da condição de escravo sim, pois ela tem capacidade cognitiva, tão quanto a intelectual, tem vontade própria e pode prover tudo através da sua inteligência; e, portanto a sua condição é superior a condição do escravo. O escravo por sua vez assemelha a condição do boi lavrador que só participa do governo doméstico com sua força de trabalho e nada mais.  Mas para Aristóteles e para a sociedade aristocrata qual ele defende por ser um filósofo conservador e moralista: a mulher é frágil para os assuntos de política e de estar à frente do comando da família. E como o Estado tem como seu fim ser o “bem” de todos, e pelo homem não demonstrar as mesmas fraquezas que as mulheres em tratar de assunto tão importante que envolve o bem comum, o bem público de todos. Fica ao “Homem” na visão de Aristóteles a missão de ser esse animal político que a sociedade exige por razões intrínsecas na formação do seu Estado. Aristóteles chama de despotismo o poder que o senhor tem sobre o seu escravo, marital o poder do marido sobre a mulher e paternal sobre os filhos. E sobre os poderes dos senhores sobre os escravos Aristóteles destaca que:

“Para conhecer o que é indispensável à composição da família, comecemos por falar do poder despótico e da escravidão, e vejamos senão seria possível encontrar sobre esta matéria algo mais satisfatório do que já foi dito até o presente.

Uns, de fato, como já vimos, confundem todos os poderes e compreendem, num só e único sistema, o poder do mestre e a realeza, o governo republicano e a administração da economia; outros consideram que o poder senhorial não tem nenhum fundamento na natureza e pretendem que esta nos criou a todos livres, e a escravidão só foi introduzida pela lei do mais forte e é, por si mesma, injusta como um puro efeito da violência.

Quanto à economia, observo que é impossível viver comodamente, ou mesmo simplesmente viver, sem o necessário. Portanto, como os bens fazem parte da casa, os meios de adquiri-los também fazem parte do governo doméstico; e, assim como nenhuma das artes que têm um objeto preciso e determinado realiza sua obra sem seus instrumentos próprios, a economia também precisa deles para chegar ao seu objetivo.

Existem dois tipos de instrumentos: uns inanimados, outros animados. Assim é que, para a navegação, o leme é o instrumento inanimado e o piloto, o instrumento animado. Em todas as artes, o trabalhador é uma espécie de instrumento.

Um bem é um instrumento da existência; as propriedades são uma reunião de instrumentos e o escravo, uma propriedade instrumental animada, como um agente preposto a todos os outros meios. ”   

Aristóteles
evidência que nessa relação do senhor com o seu escravo, a servidão do escravo para seu senhor é algo natural. Que o senhor não é somente o proprietário do seu escravo, qual ele jamais irá pertencer. Por outro lado, o escravo, não só tinha sua vida na mão do “seu senhor”, mas fazia parte não só da vontade do senhor, mas da sua própria estrutura de família, do seu governo doméstico como um “bem”, como um “instrumento animado que devia ao seu senhor mais que a própria servidão, mas os cuidados da própria sorte e vida, como um boi lavrado. Reafirmo que é importante estudar o pensamento político aristotélico que predominava como influência política, econômica, religiosa, cultural e social no período da escravidão no Brasil. Pois a sociedade aristocrata brasileira colonial sofreu grandes domínios da filosofia aristotélica, tanto pelos padres jesuítas, como pela corte portuguesa que veio de Portugal para o Brasil, ou até mesmo pelos ideais liberais que predominaram como pensamentos positivistas pelo mundo na queda das colônias na América Latina e pós Revolução Industrial. A influência aristotélica na formação da sociedade brasileira foi muito grande e ela foi um dos ideais que ajudaram a sustentar a ideia que o escravizado por ser escravo só tem como finalidade a servidão por não ter outro fim a não ser a pratica de serviços quais cabe aos “homens inferiores”. E os escravistas e exploradores da América seguiram essa cartilha de pensamento aristocrata a risco na implantação e exploração das colônias Americanas. E é super importante para o afro-brasileiro saber quais ideais filosóficos que foram predominantes que sustentavam o genocídio do Povo Preto no processo colonial do Brasil, pois são eles que sustentam o racismo velado que vivemos na sociedade atual. Pois esses mesmos ideais sobressaíram na abolição incompleta e perpetuou na passagem do Império do Brasil para a República Brasileira. São esses ideais eugenistas que estão engendrados na estruturas do racismo velado que oprime e tira a dignidade dos afrodescendentes na sociedade brasileira ao longo desses anos.

Pensamentos eugenistas que buscam promover uma seleção nas coletividades humana assegurados em premissas e leis genéticas falaciosas que ideologicamente se transformam em fascismo, conceituam o afro-brasileiro sim como afro-brasileiro, mas não como brasileiro. E sim como um mulato descendente de escravo. Por tanto, um ser humano com capacidades inferior, “bom só para mão de obra assalariada”(Escrava). E de fato no jogo da pirâmide o afro-brasileiro vem ocupando a base da pirâmide, sujeito a todo tipo de abuso, descaso humano e racismo, seu espaço garantido é sempre no transporte público lotado, nas filas dos hospitais, na fila do desemprego, nas oito horas de trabalho direto por um salário mínimo indigno, na falta de moradia e principalmente no estereótipo estrutural promovido pelos eugenistas fascistas que acreditam em superioridade genética na etnia humana. Pensamento que submete a nós afrodescendentes a diáspora de carregar sobre os nossos ombros a condição de escravizados por herança genética imposta por aqueles que acreditam que a eugenia é superioridade de raça humana e não uma doença. Por causa dessa diáspora o afro-brasileiro tem o direito e o dever de conhecer o processo de formação da sua cultura e identidade afrodescendente, por necessidade, dignidade e direito a vida. Por honrar sua cor e sua pele, por valorizar cada mão de obra escravizada que ajudou a construir esse país através da sua força de trabalho forçada e tecnologia roubada como as empreendidas nas minas de ouro em Minas Gerais.

Costumo dizer que o tempo é curto para tantas distrações e que a vida é preciosa para tanta desvalorização, pois só se vive uma vez, sendo que é a vida a nossa dádiva maior e nosso bem mais precioso. E sendo a vida esse bem tão precioso, essa dádiva maior e o tempo curto para tantas distrações, questiono por que de seres humanos escravizarem outros seres humanos, ou até mesmo outros seres vivos? É por causa da irracionalidade ou ganância humana? Para o bem da humanidade é preciso evoluir e racionalizar sobre essa irracionalidade do ser humano de escravizar outras vidas para atender a vontade do seu ego. Ninguém é melhor que ninguém e é muito desumano acreditar que exista etnia superior a outra dentro da espécie humana. Por isso o afro-brasileiro precisa saber que o processo do racismo mascarado passa por um branqueamento da raça brasileira que não respeita os afro-brasileiros e sua dignidade humana, que esse racismo passa por um embranquecimento da cultura afrodescendente, passa por uma perseguição da cultura africana no Brasil, passa pelo mito do branco benevolente a imagem de Cristo, passa pela banalização das religiões afro-brasileira e infelizmente passa pela cruel exploração sexual da mulher afro-brasileira por parte da branquitude através dos anos.

Uma das consciências negra que afro-brasileiro mais tem que ter noção e consciência é exatamente sobre as crueldades e explorações quais as mulheres negras já foram submetidas e continuam sendo submetidas em nosso país ao longo dos anos por causa desse racismo. Um dos maiores expoentes da Cultura Preta no Brasil, o pensador, sociólogo, historiado e filósofo Abdias do Nascimento, nos aponta em seu livro O Genocídio do negro Brasileiro: Processo de um Racismo Mascarado que na busca do branqueamento da população brasileira, as mulheres negras foram estupradas por brancos, para gerarem filhos mulatos, pardos, ou morenos. Iniciando a sim, através do tom de pele do mulato o primeiro degrau na escada da branquificação sistemática do povo brasileiro, ele é o marco que assinala o início da liquidação da raça negra no Brasil. Abdias do Nascimento, sobre o genocídio do negro, conclui que nessa classificação do tom de cor de pele, do mulato até o tom de cor de pele do negro, a respeito da salvação da raça ariana, que ambos vão receber o mesmo desprezo do branco. Vejamos como Abdias pontua essa questão sobre esse processo do racismo mascarado:
“A despeito de qualquer vantagem de status social como ponte étnica destinada à salvação da raça ariana, a posição do mulato essencialmente se equivale àquela do negro: ambos vítimas de igual desprezo, idêntico preconceito e discriminação, cercado pelo mesmo desdém da sociedade brasileira institucionalmente branca.

O processo de mulatização, apoiado na exploração sexual da negra, retrata um fenômeno de puro e simples genocídio.”

 O processo de racismo mascarado no Brasil passa por esse genocídio da mulher negra, que faz com que essas mulheres brasileiras herdem uma herança maldita que é ser objeto de prazer da branquitude. Porém a abolição incompleta da Lei Áurea foi um instrumento para normalizar mais esse atentado contra a dignidade da vida humana dos negros. E exatamente por causa desse racismo mascarado no Brasil que o afro-brasileiro tem que entender que o local qual ele ocupa na história do Brasil é o de não ter vez e nem voz, mesmo que este esteja no seu próprio local de fala. Esse cenário de guerra que o afrodescendente vive contra o racismo não é cena de filme e muito menos de novela, esse racismo mascarado não pode ser banalizado ao ponto do próprio preto acreditar que esse racismo não exista pelo fato da maioria da população brasileira ser considerada “mulata”, ainda mais que esse branqueamento passa pela exploração sexual da mulher negra.

 E pelos 300 anos de escravidão que infelizmente pertence é está contido no processo de formação da História Brasileira, o afro-brasileiro não tem só o direito, mas a obrigação de conhecer o processo da sua Cultura Preta e identidade afrodescendente, por necessidade e pela sua dignidade humana. Como vimos não foi acidente histórico, o fato do Brasil, ter sido o último país da América Latina a proibir que o afrodescendente deixasse de ser uma mercadoria, “uma propriedade instrumental animada” do branco. Que essa demora em reconhecer e aceitar o direito de liberdade do afro-brasileiro foi uma estratégia dos escravistas da aristocracia no período do Império do Brasil, que tomaram essa estratégia temendo uma revolta dos negros no território brasileiro ao modelo da Revolução do Haiti. E foi através dessa estratégia de uma abolição em processo longo e dirigido que a branquitude incluiu os negros em uma sociedade racista, livres dos trabalhos forçados sim; mas preso ao descaso, preso a desigualdade social e pela discriminação social qual o Povo Preto vive. Racismo velado, estrutural e mascarado que vem provocando o genocídio do afro-brasileiro nas periferias brasileiras. Dentro dessas razões e fatos históricos é crucial para o destino do afro-brasileiro que ele saiba que aquele medo negro que surgiu após a Revolução do Haiti em 1804, que influenciou as elites colônias a conduzir as independências das colônias por medo de uma revolta dos afrodescendentes que pudesse levar a aniquilação da estrutura e poder da branquitude. É este medo negro que motiva o branco eugenista a manter e forçar esse racismo contra os afro-brasileiros na sociedade atual buscando suprimir a dignidade do Povo Preto e acabar com sua negritude e cultura.

Assim como estudar sobre o período do fim da escravidão nas colônias latinas é importante para o afro-brasileiro para ele conhecer esse racismo mascarado, velado e estrutural que vivemos na sociedade atua devido a esse medo negro. Estudar, conhecer e debater sobre os estudos e trabalhos do intelectual afrodescendente Abdias do Nascimento, é muito mais importante para o afro-brasileiro do que saber cantar o hino nacional. Pois o Paulista Abdias do Nascimento em sua obra O Genocídio do Negro Brasileiro desenha em traços miúdos o panorama da estrutura do racismo brasileiro, como esse racismo foi pensado antes e pós-abolição. E não poderia ter pensador melhor do que ele, para nos dar referência de como foi esse racismo após abolição. Vejamos como Abdias traça uma historiografia da construção desse racismo:

Teorias científicas forneceram suporte vital ao racismo arianista que se propunha erradicar o negro. Nas palavras do escritor Sílvio Romero (1851-1914): “A minha tese, pois, é que a vitória na luta pela vida, entre nós, pertencerá, no porvir, ao branco.” Desde o fim do século XIX, o objetivo estabelecido pela política imigratória foi o desaparecimento do negro através da “salvação” do sangue europeu, e êste alvo permaneceu como ponto central da política nacional durante o século XX. Em torno de 1930, o político e historiador João Pandiá Calógeras declarou, por exemplo:

A mancha negra tende a desaparecer num tempo relativamente curto em virtude do influxo da imigração branca em que a herança de Cam se dissolve. Roosevelt tinha observado com exatidão que o futuro nos reserva uma grande alegria: a feliz solução de um problema inçado de tremendos, mortais, problemas – os problemas de um possível conflito entre as duas raças.

Fato inquestionável é que as leis de imigração nos tempos pós abolicionistas foram concebidas dentro da estratégia maior: a erradicação da “mancha negra” na população brasileira. Um decreto de 28 de Junho de 1890 concede que

   É inteiramente livre a entrada, nos portos da República, dos indivíduos válidos e aptos para o trabalho .. . ( … ) Excetuados os indígenas ·da Ásia ou da África, que somente mediante autorização do Congresso Nacional poderão ser admitidos.

Em várias oportunidades a Câmara dos Deputados considerou e discutiu leis nas quais se proibia qualquer entrada no Brasil “de indivíduos humanos das raças de cor preta.” (1921-1923) Quase no fim do seu governo ditatorial, Getúlio Vargas assinou em 18 de setembro de 1945, o Decreto-Lei N9 7967, regulando a entrada de imigrantes de acordo com

… a necessidade de preservar e desenvolver na composição étnica da população, as características mais convenientes da sua ascendência européia.

Mais recentemente o governo tem exercido uma política de estimular a imigração dos racistas brancos expulsos das recém liberadas colônias da África: belgas do ex-Congo Belga, portugueses de Angola e Moçambique.”

Abdias do Nascimento nos esclarece através do seu trabalho de historiografia sobre o processo de tentativa de branqueamento da população brasileira, articulada e executada pelos brancos eugenista, que esse processo teve forte adesão e ganhou bastante força após o fim do império e da escravidão. Que após a proclamação da Lei Áurea e proclamação da República; os planos do pacto da branquitude para eliminar a negritude em nosso país caminharam a todo vapor como uma locomotiva desbravando o interior do nosso Brasil. Foi exatamente nesse momento que o racismo no Brasil começou a ser velado, estruturado dentro desse novo padrão social moderno republicano e não mais colonial escravagista, mas uma república democrática por direito. Mas que aboliu os afro-brasileiros de sua construção, pois esses estavam ocupados de mais em garantir pelo menos sua sobrevivência antes do fim da escravidão e após a ela. E o que o nosso filósofo Abdias do Nascimento aponta é exatamente essa fato que a branquitude liderou todo esse processo não de forma voluntária ao acaso do destino, mas de forma objetiva e organizada a ponto de conseguir dar continuidade no seu projeto eugenista e racista de exterminar os afro-brasileiros do nosso país através do genocídio do povo negro mantendo o negro marginalizado, criminalizado, estereotipado como violento e banalizado como incapaz perante a superioridade branca. Qualquer bom educador afrodescendente diria que seria questão de prova para o afro-brasileiro tomar notar e estudar mais dedicado esse período da sua história como afrodescendência, uma vez que 13 de Maio foi uma falácia. Pois nas primeiras décadas da República Brasileira o afro-brasileiro sofreu com a criminalização do Povo Negro e tentativa de extermínios da população afrodescendente, pois a branquitude considerava a massa da população brasileira feia por causa da herança genética dos afro-brasileiros. Os brancos eugenistas que controlavam o poder e a política nos anos iniciais da República Brasileira, por causa do seu racismo, medo negro e desejo de desaparecer com a “mancha negra” do país. Implementou novas medidas que fortalece a ideologia do embranquecimento da população brasileira com o fortalecimento da genética européia na composição étnica da população brasileira. Esse medo negro e o racismo foram às premissas perfeitas para incentivar os brancos eugenistas na tentativa de erradicação da “mancha negra” a adotarem a estratégia de “imigração branca” com herança genética principalmente européia. Essa estratégia se estabeleceu como ponto crucial no plano genocida desses eugenistas em tentarem em manter a prevalência do sangue ariano na genética brasileira por causa de um racismo contra o afrodescendente.  Sendo que o objetivo dessa estratégia não era só de branqueamento da população brasileira, mas de eliminar os afro-brasileiro e sua cultura, pois nessa política de migração os afrodescendentes ficaram sem acesso a moradia, trabalho, saúde, alimentação adequada e alfabetização tudo com o objetivo de serem exterminados pelas mazelas sociais.

A ativista e escritora estadunidenses Angela Davis tem uma famosa frase que serve como uma filosofia antirracista se o assunto é racismo que é essa: “Numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista.” Ou seja, contra o racismo o estado permanente tem que ser o de guerra. E uma das coisas que o antirracista no Brasil tem que tomar nota e colocar como ponto básico para a desconstrução do racismo no território brasileiro e que a abolição da escravidão foi incompleta e para favorecer a branquitude e não a negritude. Assim como o afro-brasileiro tem que conhecer e entender o que é racismo mascarado, velado, estrutural que tem como principal objetivo provocar o genocídio do Povo Negro através dessa ideologia eugenista que acredita que existe superioridade genética na raça humana. O afrodescendente tem que ter noção que essa realidade que ele vive é um cenário de guerra contra ele. E por se tratar de uma questão de guerra, o afro-brasileiro tem a obrigação por sobrevivência o dever de vencer essa batalha e como disse o estrategista de guerra, general e filósofo chinês Sun Tzu:A guerra é um assunto de importância vital para o Estado; o reino da vida ou da morte; o caminho para a sobrevivência ou a ruína. Desse modo, é indispensável estudá-la profundamente E é exatamente pelo fato do racismo ser uma guerra contra o Povo Preto no Brasil, o afro-brasileiro precisa incorporar o quanto antes essa guerra contra o racismo para a sua própria sobrevivência, por isso ele precisa aprofundar nos estudos sobre sua afrodescendência, exatamente por se tratar de uma situação de vida ou de morte, ele tem que conhecer bem a face dessa branquitude que tem desprezo e medo negro pelo Povo Preto e vontade de eliminar a negritude. E como definiu a filósofa brasileira Marilena Chauí sobre a definição de Estado no seu livro O Que é Ideologia:

“O Estado constitui a unidade final, ele sintetiza numa realidade coletiva a totalidade dos interesses individuais, familiares, sociais, privados e públicos. Somente nele o cidadão se torna verdadeiramente real e somente nele se define a existência social e moral dos seres humanos. O Estado é o Espírito Objetivo.

O Estado é uma comunidade. Mas difere da comunidade familiar e da comunidade das classes sociais (suas corporações), porque não possui nenhum interesse particular, mas apenas os interesses comuns e gerais de todos. É uma comunidade universal (isto é, seus interesses não sendo particulares desta ou daquela família, deste ou daquele indivíduo, desta ou daquela classe, são interesses universais). O Estado não é, pois, um dado imediato da vida social, mas um produto da sociedade enquanto Espírito Subjetivo que busca torna-se Espírito Objetivo. O Estado é a ideia política por excelência, uma das mais altas sínteses do Espírito. Nele se harmonizam os interesses da pessoa (proprietário), do sujeito (moral) e do cidadão (sociedade e política).”

A filósofa brasileira Marilena Chauí traz uma visão moderna de Estado bem diferente da visão de Estado aristocrata como pontuou Aristóteles, Chauí nos apresenta uma visão de sociedade qual o Estado é uma comunidade, porém diferente da comunidade familiar  pelo fato do Estado constituir essa unidade do Espírito Objetivo, unidade final. Onde o indivíduo se torna verdadeiramente real, manifestando de forma coletiva os interesses individuais e sociais na formação desse Estado como Espírito Subjetivo. E por se tratar de uma questão de guerra, de sobrevivência e de dignidade humana para o afro-brasileiro, ele não tem só o direito, mas o dever de ocupar e manifestar o seu interesse de maneira direta e objetiva na formação desse Estado, ele tem que ser um agente ativo político dentro dessa unidade final de Estado que sintetiza em uma totalidade uma realidade coletiva afro-centralizada. E aí, mais que praticar o antirracismo, o afro-brasileiro tem que estudar profundamente a formação desse Estado após a abolição da escravidão no Brasil, pois ele tem que ser o próprio agente a mudar esse quadro quais os afrodescendentes são criminalizados e colocados com seres humanos inferiores a branquitude, principalmente pelo fato do negro ter sido excluído da construção desse Estado republicano aqui no Brasil. O afro-brasileiro para desmascarar e eliminar o racismo da sociedade brasileira, ele tem não só que empoderar da sua história como a missão de romper de forma violenta com esse pacto da branquitude. E a única maneira segura dele eliminar esse racismo que busca eliminar a sua etnia, é lutando contra as estruturas desse racismo dentro da formação desse Estado. E a importância do afro-brasileiro saber as entrelinhas que formam a Lei Áurea é saber que a lei aboliu a escravidão do negro no Brasil sim, mas não trouxe a dignidade humana do afrodescendente, pois deixou propositalmente os negros jogados a todo tipo de mazela social para não terem condição de tomaram jamais o espaço de privilégio da branquitude.

Por: Mauro Aniceto ( Bacharel em Filosofia- UFOP)

Referência bibliográfica:

NASCIMENTO, Abdias do. O GENOCÍDIO DO NEGRO BRASILEIRO

PROCESSO DE UM RACISMO MASCARADO – Rio de Janeiro.  Editora  Paz e Terras S/A, 1978.

ARISTÓTALES. A Política

MENEZES, Jaci Maria Ferraz. ABOLIÇÃO NO BRASIL: A CONSTRUÇÃO DA LIBERDADE. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.36, p. 83-104, dez.2009 – ISSN: 1676-2584

FONTELLA, Leandro Goya. REVOLUÇÃO HAITIANA: O MEDO

NEGRO ASSOMBRA A AMÉRICA. Disc. Scientia. Série: Ciências Humanas, Santa Maria, v. 8, n. 1, p. 59-70, 2007.

CHAUÍ, Marilena de Souza.  O Que é Ideologia  –  São Paulo. Ed. Brasileiense s. a, 1980. P.46

Tzu, Sun, 544 a.C. -496 a.C. A arte da guerra/ Sun Tzu; tradução Pedro Manoel Soares. – 3.ed. – Barueri, SP: Ciranda Cultural

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