Não é novidade que a cantora de 89, Elza Soares, vem cada vez mais reinventando sua carreira, principalmente nos seus dois últimos álbuns: A Mulher do Fim do Mundo (2015) e Deus é Mulher (2018). Essa renovação chega mais uma vez com o seu novo trabalho: Planeta Fome. Lançado nessa sexta-feira (13/09).
Para o dar nome ao álbum, a cantora retoma a expressão que usou para responder Ary Barroso em 1943, quando ela, jovem caloura do programa do compositor e apresentador, ouviu dele a pergunta: “De que planeta você veio, minha filha?”. Ele fazia chacota com seu jeito de falar e de se vestir, que indicava sua origem pobre.
Segundo Elza, o disco vinha sendo concebido desde aquele episódio de 1943. “Pensava que ‘planeta fome’ era pela fome de comida”, diz. “Mas cheguei à conclusão de que tenho muito mais fome. De saúde, de respeito, de amor, de um país melhor. Quero continuar, estou com fome.” A cantora anunciou que o trabalho estava disponível nas plataformas digitais através de um vídeo em seu próprio twitter.
Entrando no álbum. Elza já inicia nos mostrando toda a sua potencia vocal gritando aos quatro ventos: “Eu não vou sucumbir”. Essa é frase que abre o disco com a música “Libertação”, que traz a participação da banda Baiana System. Falando em participação, pulo para a quarta faixa do álbum “Blá Blá Blá”, na qual a cantora traz o rap para o seu trabalho através das participações de BNegão e Pedro Loureiro.
Outra participação que se destaca é a de Rafael Mike na oitava faixa do álbum, “Não Tá Mais de Graça”. Nessa canção Elza Soares faz referência a uma das frases mais icônicas da sua discografia, “a carne mais barata do mercado é a carne preta”. Porém ela ‘atualiza’ essa afirmação cantando ” A carne mais barata do mercado não tá mais de graça/ O que não valia nada agora vale uma tonelada/ A carne mais barata do mercado não tá mais de graça/ Não tem bala perdida, tem seu nome, é bala autografada”
Voltando para a segunda faixa, a inédita “Menino” (composta pela própria Elza), ela mesmo tenta indicar caminhos para a resposta do Planeta Fome. Dirigindo-se ao personagem título com ternura e voz embargada, ela diz: “Venha cá, menino/ Não faça isso não/ Sei que é muito triste/ Não ter casa, não ter pão/ Não te leva a nada/ Destruir o seu irmão/ Você representa/ O futuro da nação”.
Na nona faixa “País do Sonho”, a cantora renova nossas esperanças no país com os versos “Eu preciso encontrar um país/ Onde ser solidário seja um ato gentil/ Eu prometo que vou encontrar/ E esse país vai chamar-se Brasil”. Também nessa faixa Elza canta uma homenagem a Garrincha, jogador com qual a cantora foi casada de 1966 a 1982 e tiveram um filho.
“Ah, deixa o pessoal reclamar. Inclusive, sinto falta disso. Deram Lexotan na água do povo. Está todo mundo calado”, diz, ríspida. “Nos anos 1960, eu via muita gente na rua. Chico, Caetano, aquelas composições fortes. Sofreram, claro, por toda a rebeldia. Mas, hoje, está todo mundo com medo de falar. É por isso que uso minha voz, para falar o que se cala.”
“Planeta Fome” é um retrato musical do cenário político do país e, mesmo com uma carreira consolidada, Elza Soares dá sua cara a tapa protestando com seus versos e se renovando musicalmente. E o álbum vai muito além disso, é um passeio e tributo aos 89 anos de vida e 60 de carreira da cantora que desde sempre se declara inimiga do fim.
“Vozona não sou”, diz. “Você não vai me ver de chinelinho, mas sim de calça jeans rasgada, camisetona. O Brasil está doente, mas estou avançando.”