Horas após ocupar as ruas da capital do país com o maior ato político de mulheres negras do mundo, uma comitiva formada por 12 representantes da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver foi recebida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Edson Fachin, (25), em audiência marcada por forte densidade política, emoção e compromisso público com a reparação histórica.

Crédito: Lissandra Pedreira

A reunião, solicitada pelo Comitê Nacional da Marcha, teve como eixos a responsabilização do Estado brasileiro pelas violências que atravessam a vida das mulheres negras, a necessidade urgente de justiça para as vítimas de operações policiais e o reconhecimento, pelo Judiciário, do projeto político que a Marcha afirma ao Brasil e ao mundo.

Reparação histórica como dever de Estado

Entre as demandas apresentadas estão o acesso público a arquivos do Judiciário relacionados à escravidão, a criação de protocolos específicos para monitorar processos que envolvem agentes de segurança pública, e a garantia de celeridade em casos de violência policial, muitos dos quais se arrastam por mais de uma década.

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Falando pela comitiva, Gabriela Ashanti, graduada em Direito pela Unifacs, mestra em Direito e doutoranda em Literatura e Cultura pela UFBA, coordenadora do projeto “Minha Mãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar”no Odara – Instituto da Mulher Negra, afirmou:

“Nossa vinda aqui é, sobretudo, para pedir que o STF se comprometa com o projeto de reparação histórica que as mulheres negras exigem deste país. A Corte Suprema precisa abrir seus arquivos, reparar a memória do Judiciário e criar protocolos específicos para acompanhar processos envolvendo forças de segurança. Quando processos duram mais do que a vida das crianças assassinadas, a mensagem que recebemos é de que nossas vidas são descartáveis. Estamos aqui para exigir que isso mude”.

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O testemunho de Tauã Brito

A audiência ganhou ainda mais densidade quando Tauã Brito, moradora do Complexo da Penha (RJ), relatou a execução de seu filho durante a operação policial que chocou o país no último mês. O depoimento dela transformou o encontro em uma denúncia sobre a violência de Estado contra jovens negros.

Tauã disse: “Meu filho tentou se entregar, mas os policiais não deixaram nem que eu chegasse perto. Ele estava amarrado, esfaqueado e com um tiro na cabeça. Eu pedi que o levassem preso, que lhe dessem uma chance. Ele tinha 20 anos. A favela só recebe morte. Nela não entram educação, política pública, oportunidade. Só entra tanque de guerra. Essas mortes não trazem segurança ao Estado, só devastação. Eu perdi o meu filho, mas estou aqui pedindo ajuda para que outras mães não carreguem seus filhos como eu carreguei o meu”.

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A resposta do ministro Edson Fachin

Após ouvir as denúncias e reivindicações, o ministro Edson Fachin disse reconhecer a legitimidade das pautas apresentadas pela Marcha e afirmou também que o país não pode adiar maior presença de mulheres negras nos espaços de poder da República. Ele declarou: “Eu espero não sair enquanto não tivermos pelo menos uma juíza negra. E isso que eu estou dizendo agora eu já disse antes. O Brasil precisa enfrentar essa dívida”

Fachin também reforçou que nenhuma autoridade pode substituir ou silenciar quem vive na pele a violência de Estado. “Nós precisamos abrir as portas para receber vocês, para escutar vocês, para que vocês possam falar. Porque ninguém pode, ninguém deve, tomar um lugar de fala do processo”.

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Ao comentar o relato de Tauã Brito, o ministro destacou que enfrentar a dor coletiva é parte da luta por justiça e lembrou sua atuação como relator de ações contra a letalidade policial, período em que se reúne com mães que perderam seus filhos. Fachin acrescentou que reconhecer a dor e permitir que ela seja compartilhada é condição para construir solidariedade e transformação.

Democracia se faz com mulheres negras

A comitiva reforçou o peso da articulação política da Marcha, que reuniu mulheres negras de mais de 40 países e que, para além da denúncia, exige que o STF assuma compromissos concretos com justiça racial, enfrentamento à violência institucional e mudanças estruturais na forma como o país trata sua população negra. A audiência no Supremo, logo após a Marcha ocupar as ruas, é parte desse projeto: reparação histórica é uma agenda do presente e um dever do Estado brasileiro.


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