Foi em projetos culturais oferecidos por iniciativas públicas que Manu Santos aprendeu a tocar os primeiros instrumentos — violão e guitarra — ainda na adolescência. Os estudos de canto começaram no coro do Colégio Estadual do Paraná, onde cursou o ensino médio. Outras experiências vieram com o coro cênico de Curitiba, coro da UFPR e Núcleo de Ópera Comunitário de Curitiba.


Contrariando as expectativas, em 2018, iniciou a graduação em História na Universidade Federal do Paraná (UFPR), mas não chegou a concluir o curso. Neste mesmo ano, muitas coisas mudaram. Nome, pronomes, gênero. Apesar de lembrar que “lá dentro sempre soube”, somente aos 18 anos Manu começou a se questionar sobre quem era. O processo a levou a um lugar de conforto e identificação como mulher trans.
Retornou para a UFPR, desta vez no curso de Música, e conheceu o projeto de extensão Laboratório de Práticas e Ensino de Canto (Labvox) em que iniciou a formação como preparadora vocal e regente.
As questões de pessoas trans no canto passaram a instigar a reflexão da estudante e tornaram-se, inclusive, objeto de sua pesquisa de conclusão de curso, aprovada com nota máxima em dezembro de 2024, aos 24 anos.
Manu questiona a abordagem de divisão de naipes (tipos de voz) e classificação vocal usada por alguns corais, que nomeiam as vozes graves como masculinas e as vozes agudas como femininas. A musicista acredita que os sons devem ser apenas graves e agudos, sem gêneros, assim como instrumentos musicais.
Isso porque, em sua compreensão, a relação entre a voz e a identidade é muito forte, principalmente durante o processo de transição. A cobrança de aproximação de um padrão cisgênero é considerada injusta e a sua luta inclui mostrar o quão doloroso isso pode ser para uma pessoa trans.
Durante a graduação, criou o primeiro coral formado por pessoas trans em Curitiba. O grupo Llista Trans envolve, atualmente, mais de 30 pessoas trans e é regido por Manu. Os encontros acontecem semanalmente no Departamento de Artes da UFPR, com apoio voluntário de estudantes da UFPR e da Tecnológica (UTFPR). O repertório da Llista é composto por músicas que representam vivências da comunidade LGBTQIAPN+ e questões sociais, como transfobia, racismo, intolerância religiosa e capacitismo.
Para Manu, é apenas o começo. A musicista pretende garantir estrutura e continuidade do projeto, além de oferecer uma rede de apoio aos colegas trans.
Nesta entrevista à Revista Ciência UFPR, Manu fala de sua trajetória pessoal, sobre os desafios relacionados à identidade de gênero, sobre a contribuição da arte para construção de espaços mais inclusivos e acolhedores e traz reflexões sobre estratégias pedagógicas voltadas às vozes trans.
Poderia contar um pouco sobre sua jornada de autodescoberta e transição? Quais foram os maiores desafios nessa trajetória?
Manu Santos | Meu processo de transição teve várias fases, às vezes eu tenho a impressão que lá dentro eu sempre soube, só que nem sempre eu me ouvi. Para mim, não foi uma coisa muito óbvia, nem sempre eu tive essa certeza. Quando eu tinha 18 anos, comecei a me questionar e era um período de muita dúvida, mas eu sentia que estava nesse processo. Eu perguntava para mim mesma o que eu era — homem, mulher, nenhum dos dois ou os dois juntos? Como eu não tinha essa resposta, comecei a me perguntar do que gostava — roupas, maquiagem, brincos?
Tive uma influência grande de referências, há um bom tempo eu cantava o repertório da Liniker, conheci o trabalho dela, consegui acompanhar o processo de transição dela. Eu a via de saia, vestido, turbante e isso me linkava com a minha identidade, uma pessoa preta, cabelo longo e bem trabalhado. Segui fazendo perguntas e tentando entender com sinceridade como eu queria ser.
Mulheres trans, em muitos casos, buscam com a hormonização uma possibilidade de fazer com que a voz se aproxime e entre em conformidade com a sua identidade, porém, a hormonização não causa mudanças muito evidentes. No meu processo a minha voz ficou um pouco fraca por um período, foi uma mudança mais sutil, pela diminuição de testosterona.
Via: Ciência UFRP




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