Conhecida como Deusa Cientista nas redes sociais, Kananda Eller usa o espaço para popularizar o conhecimento científico e divulgá-lo de uma maneira mais acessível e democrática. Baiana, nascida em Plataforma, Subúrbio Ferroviário de Salvador, a influenciadora soma mais de 250 mil seguidores nas redes sociais.

Cientista, palestrante, preta, mulher, periférica e soteropolitana, Kananda se tornou ativa nas redes em 2020, em um de seus vídeos mais famosos, a influenciadora conta que um homem negro foi quem liderou os estudos clínicos da vacina Pfizer nos Estados Unidos, levando para seus seguidores informação com recorte racial, de gênero e classe. Formada em Química pela UFBA e mestranda em Ensino de Ciências Ambientais na USP, a origem de seu amor pelo assunto veio ainda na infância, durante o colégio.
Atualmente, a influenciadora é referência nessa área. “Nunca tive referência de cientistas nem de artistas negras. Esse lugar não existia até mesmo na escola. Não participava das peças de teatro, porque os personagens literários das histórias têm cor e características muito bem definidas. Na faculdade, comecei a entender o meu espaço e qual é o espaço do branco, em especial do homem branco. Não tive referências, por isso hoje construo isso para outras pessoas”, explica.
Com seus conteúdos, Kananda consegue resgatar a autoestima pessoal e profissional de seus seguidores, além de ajudar na construção do empoderamento de cada um. Com vídeos que chegam a bater a marca de 1 milhão de visualizações no TikTok, o sucesso fez com que ela fosse finalista da primeira edição do TikTok Awards na categoria “#AprendiNoTikTok”. Além de também ter sido eleita, em 2021, a “Baiana do Ano”, na categoria “Ciência” do jornal Correio 24 Horas.
Em entrevista exclusiva ao Cultura Preta, Kananda revelou algumas curiosidades sobre sua carreira acadêmica e também de influenciadora digital.
Como surgiu seu interesse em Química?
Kananda: “Eu vim de uma escola tecnicista. Eu lembro que eu tava revivendo essa memória até pouco tempo agora… A minha avó, ela passou três dias na fila da escola pra conseguir me colocar no Sesi, lá em Salvador. E aí ela conseguiu, eu estudei no Sesi quase a vida toda, desde a terceira série até o ensino médio, fiz o curso técnico lá também. É uma escola que tem muitos incentivos para a ciência. Minha visão enquanto mulher negra eu percebo que a arte era um curso que eu gostava muito e hoje até me sinto artista trabalhando com redes sociais, mas a ciência eu me sentia mais próxima por não ver tantos rostos e a gente tá falando mais de conceitos e de objetos que a gente ta construindo. E eu sempre gostei muito de matemática e de química. Então, quando entrei no ensino médio, eu entendi que seria um caminho possível”.
Você teve alguma referência na Química? Algum nossa que te inspirasse?
“Não tive referência, era mais minha mãe falando assim: ‘Tem que ir pras exatas’. Tanto que eu queria fazer Engenharia Química, mas eu passei em Química primeiro na Federal da Bahia. E aí minha mãe falou: ‘Você tem certeza que não quer fazer Engenharia?’. Porque teoricamente engenheiro ia ter aquele status, uma posição melhor do que um químico.”
Como você começou sua carreira na internet?
“Eu comecei durante a pandemia, em 2020. Basicamente eu tinha acabado se sair da minha graduação em 2019, e eu tava tentando entender o que eu ia fazer da vida. Eu fui professora de Química por seis anos, então eu tava meio que questionando esse lugar da sala de aula. E eu tinha entendido em uma pesquisa que a academia é um espaço muito embranquecido. E eu pensei que nunca tinha tido uma referência negra. E eu resolvi ir para internet para falar sobre isso, uma ciência em uma perspectiva antirracista”.
Qual foi o primeiro vídeo seu que estourou na internet?
“Tem um vídeo que eu falei: ‘Cinco invenções feitas por mulheres negras que você precisa conhecer’. Esse vídeo eu lembro que bateu 1,9 milhão de visualizações e eu não tinha nem 10 mil seguidores. Foi um impacto bem legal.”
Sobre seu vídeo que fala sobre o processo de alisamento do cabelo crespo, qual foi a ideia para gravá-lo?
“A transição capilar pra mim foi um marco na minha vida. Porque foi o momento que eu virei a chave de entender o quanto que o racismo era nocivo pra mim a ponto de tomar uma ação de cortar o cabelo e assumir ele, parece algo simples mas que a gente sabe que historicamente a gente foi sempre coagido. Sempre colocado nesse lugar de sempre ter que servir ao padrão estético. Quando fiz a transição capilar, minha vida mudou muito. Eu comecei a me amar, e me olhar de outra forma. Então, quando eu decidi falar sobre química e alisamento de cabelo, era justamente para fazer essa crítica”.
Como surgiu o nome ‘Deusa Cientista’?
“O Deusa Cientista é um nome focado no empoderamento. De eu enquanto mulher preta, que não me sentia tão pertencente a esse espaço de produção de conhecimento científico. Eu sou uma mulher, uma deusa, uma cientista e vou seguir essa carreira acadêmica. E o Deusa, eu tenho uma relação com como as religiões de matriz africana enxergam os deuses, que são seres humanos comuns, que passaram pela terra e deixaram seu legado para a comunidade”.
Como é ser uma inspiração para as pessoas mais jovens? Principalmente para meninas pretas?
“Primeiro que minha criança interior fala: ‘Nunca pensei que você fosse chegar num lugar assim’. E segundo que eu fico muito feliz porque eu acredito que o imaginário para as crianças é tão importante. Tipo você se construir num lugar positivo, de saber que você é incrível, que você pode ser mais incrível ainda, dá um gás pra viver, pra ser feliz e pra ativar sentimentos bons, que muitas vezes o racismo impede a gente de acessar”.



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